O texto sem fim
Desde que me conheço como redator de publicidade, o tamanho do texto sempre foi uma pedra no meu sapato. Numa indústria em que é raro estar toda a gente de acordo, de repente gerava-se um consenso: “Ninguém vai ler um texto tão comprido!”, diziam, em coro, o designer, o gestor da conta, o anunciante, a senhora do café. “Na verdade, ninguém lê nada hoje em dia”.
Com o digital a coisa piorou. Sim, eu sei: estamos todos sobrecarregados de informação. Saltamos de um post do Facebook para outro e só nos detemos o tempo de um like. Nunca lemos nada até ao fim. Por isso, mais do que nunca, a comunicação tem de ser telegráfica. Um headline com uma imagem apelativa, duas linhas de texto e já está. É algo tão óbvio que nem faz falta verificar se é verdade. Mas será?
Concentre-se no headline, porque ninguém lê o texto. A sério?

Uma das primeiras coisas que aprendi como publicitário, e que nunca tive razões para pôr em causa, é que a parte mais importante de qualquer peça de comunicação é o headline (ou, como a gente prefere no Brasil, o título): aquela frase que vem destacada, em letras maiores, e que permite decidir num relance se o que vem a seguir interessa ou não.
Isto, se for um anúncio de imprensa, um cartaz, um banner. Se for um email é o subject. Num spot de rádio, é aquilo que se diz logo no começo. Num livro, é o que vem na capa. Se essa frase inicial não agarrar a sua atenção, o resto torna-se invisível. Passa por você, como dizia o velho Ogilvy, “como um navio no nevoeiro”.
A consequência é que os redatores de publicidade tendem a concentrar-se quase exclusivamente no headline. O que se segue – o texto – não tem importância. É algo em que não investem nem uma fração do esforço que dedicaram ao headline. Para quê? “Nem 3% das pessoas leem o texto.” Não era o que também dizia o Ogilvy?
Os 3% que interessam
Era, e com razão. Todos temos muita pressa, muita informação para digerir, e por isso ficamo-nos pelo que pode ser apreendido em segundos. Passamos os olhos pelos headlines e descartamos a maioria dos textos.

O que o Ogilvy talvez não tenha dito com bastante ênfase (embora certamente o soubesse e tivesse em conta) é que os tais 3% que leem o texto são quase sempre os únicos que interessam. Só eles leem o texto porque só eles estão a pensar comprar. E precisam de informação – às vezes, muita informação – para decidir.
Todo o esforço de chamar a atenção para o anúncio – através, principalmente, do headline – só serve, portanto, para agarrar esses 3%. Faz algum sentido, depois de ter tanto trabalho para os agarrar, deixá-los ir sem antes ouvirem tudo que os pode levar a comprar?
Marketing direto dixit: textos longos resultam melhor

Não faz mal, por isso, que um texto publicitário seja longo. A experiência do marketing direto mostra mesmo o contrário: folhetos, cartas, anúncios ou emails com textos extensos costumam resultar comprovadamente melhor do que textos telegráficos, em que os argumentos de venda não são explorados até ao fim.
Na venda direta, aliás, é frequente que uma carta destinada a promover um produto ocupe muitas páginas. Também é assim nas televendas: aqueles longos anúncios, que facilmente podem levar uma hora, e que cada vez mais transitam das horas mortas da televisão para horários mais nobres. Será porque ninguém os vê, e portanto não resultam? Duvido.
Textos extensos funcionam, sim, para muitas categorias de produto. Quais? Pelo menos aquelas em que há uma componente racional importante na decisão de compra – o que inclui todo o tipo de produtos e serviços complexos e em que uma decisão errada é percebida como um risco. A maior parte dos produtos e serviços dirigidos aos mercados business-to-business entram aí.
Mas, mesmo para compras mais simples, um texto extenso, se for bom, é um poderoso recurso para criar envolvimento – ou engagement, como agora se diz em português. Fala-se tanto, de uns tempos para cá, de “storytelling”. Pois lá está: é claro que se pode contar uma história com uma imagem e 50 palavras. Mas normalmente é preciso mais.
E porque não um texto infinito?
Se textos compridos, com mais argumentos de venda, funcionam tão bem, porque não levar o princípio ainda mais longe – até ao infinito, por exemplo?

Pelo menos até que compre – ou mesmo depois. Um texto que ele tenha vontade de ir lendo para sempre, por toda a vida se necessário, e assim nunca se consiga afastar da comunicação da sua marca.
Exagerado? Nem por isso. Milhares de marcas usam este tipo de texto, e nada resulta melhor. É claro que, sendo tão comprido, não precisa ser lido de uma única vez. Pode estar distribuído por longas sequências de emails, mailings, vídeos ou qualquer outro tipo de suporte.
Como em qualquer outra comunicação publicitária, e aqui ainda mais, a qualidade do headline é decisiva. A mensagem inicial precisa não apenas atrair a atenção de quem passa mas criar o desejo de saber mais. Um desejo tão forte que vence a inércia e leva a agir. Neste caso, deixando dados de contacto – um email, por exemplo – para ter acesso ao “texto”.
Só termina quando comprarem. Ou nem assim
O que estou a chamar de “texto”, naturalmente, é o que tem início logo depois de o seu potencial cliente ter sido atraído pelo seu headline: um diálogo paciente e detalhado sobre as muitas razões para escolher a sua marca.
E podem ser mesmo muitas. Alguns escolherão pela qualidade dos seus serviços. Outros, pela sua experiência. Ou pela generosidade com que partilha informações úteis. Outros ainda pelo seu preço fantástico, ou pela gentileza do seu atendimento. Alguns escolherão logo ao receber o seu primeiro ou segundo email. Mas muitos demorarão muito mais: pode levar meses até que se decidam ou estejam em condições de comprar.
Por isso é tão importante que o seu “texto”, na forma de uma comunicação regular e constante, nunca acabe.
Sendo sem fim, não caberá numa brochura ou num filme de 30″. Precisa de outras plataformas, sendo o email provavelmente a mais óbvia: permite manter esse diálogo de forma contínua, frequente, próxima, adaptada às motivações de diferentes segmentos, e a custos muito baixos. Mas pode também ser em papel – uma newsletter física, por exemplo, é um meio extremamente eficaz de que poucas empresas se lembram. Ou em vídeo. Em mensagens do Facebook. Ou numa mistura de tudo isso. As possibilidades, tal como o texto, são infinitas.
E com isto termino. Termino? Nem por isso. O que acaba de ler é parte do texto sem fim que lhe vou enviando aos bocadinhos. Se consegui agarrar a sua atenção até aqui, prepare-se: a nossa conversa mal começou.
Jayme Kopke
da Hamlet