Quanto do seu trabalho é seu espelho? Reflexão sobre uma mensagem de Natal

24 de dezembro de 2020
Por Jayme Kopke

Dizem que a ̩poca das Festas ̩ um tempo de reflex̣o Рo que, se for verdade, em 2020 teve tudo para ser verdade ao cubo.

O Jayme Kopke aproveitou a ocasião para refletir sobre a forma como nos deixamos ver (ou não) no nosso trabalho e em que medida isso se reflete (lá está) na comunicação das nossas empresas. O Dinheiro Vivo publicou.

Faz parte do protocolo dos negócios e, em geral, dos ambientes profissionais: a vida pessoal fica lá fora.

Até nos vestimos de maneira diferente quando saímos da “casa” para a “rua” – para usar a classificação com que o antropólogo brasileiro Roberto da Matta explicou o seu país. Pelo menos nas profissões mais “sérias” – as que lidam diretamente com dinheiro, por exemplo – ou nas posições de mais poder, gangas e ténis ficam em casa. A gravata marca uma fronteira.

Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Pelo menos na fachada, não se misturam negócios com prazer.

Já foi uma fronteira mais nítida. Há organizações mais informais, e algumas até procuram dar espaço ao “lado B” dos colaboradores – mas, no conjunto, a regra mantém-se. Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Pelo menos na fachada, não se misturam negócios com prazer.

É um assunto em que penso muito porque afeta diretamente aquilo que faço. A comunicação business-to-business, em geral, está dirigida a esta ficção que muitas empresas continuam a alimentar: a do decisor cuja vida pessoal não conta. Nem aquela que terá ficado lá em casa – as suas relações familiares e de amizade, as atividades extraprofissionais. Nem a que traz inevitavelmente consigo para o escritório, mas escondida, sob a forma de emoções, desejos, medos.

É claro que há profissões e entornos em que isto não se nota tanto. Como criativo publicitário, por exemplo, trabalhei sempre em ambientes informais, e não era suposto que a minha “vida pessoal” ficasse totalmente lá fora. Se não trouxesse para o trabalho as minhas “outras” curiosidades e interesses, como alimentar a criatividade que se esperava de mim?

Ainda sim, lá fui eu próprio estabelecendo as minhas fronteiras. Como sou redator, e o meu assunto é a comunicação B2B, é sobre isso que escrevo. A minha poesia ou ficção ficam em casa. Quando trago para um artigo do Dinheiro Vivo, para o Linkedin ou para o blog da minha empresa uma história pessoal – como a do passeio que fiz há alguns dias para colher cogumelos – é para ilustrar um assunto do negócio. O que obviamente, não está errado. Mas talvez pudesse ter mais exceções.

Em face de todo este bom comportamento, foi com um sentimento de estar a transgredir qualquer coisa que me autorizei a criar a mensagem de Natal da minha empresa para este ano. No Natal, pensei, é perdoável pôr um pouco mais de si próprio na comunicação da empresa. Vai daí, para ilustrar o nosso e-mail de Boas Festas, escolhi um desenho feito por mim.

Fonte: Dinheiro Vivo

O detalhe: não sou ilustrador, nem designer, nem nada que se pareça. Sou um redator cujas incursões pelas artes visuais pertencem, estritamente, ao reino das paixões privadas.

Daí a sensação de estar a fazer batota: usar a comunicação da empresa, a parte séria, o “lado A” da existência como montra para o que supostamente nada tem a ver com o business. Quem quer saber das minhas pretensões a desenhista? Mais um bocadinho e vou querer impingir ao distinto público os meus talentos de músico (são escassos) ou de cozinheiro (nenhuns). Não faltava mais nada. Onde fica a sacrossanta fronteira entre o profissional e o privado?

Quando olho, porém, para a forma como boa parte das empresas comunica, mesmo nesta época festiva, com as suas audiências profissionais – colaboradores, clientes, fornecedores – o que me pergunto é se essa fronteira tem mesmo de ser tão sagrada. É tudo tão protocolar, tão formal, com tão pouca alma, que até me custa compreender com que propósito é enviado. Será que nem no Natal nos podemos permitir ser um pouco mais pessoais, mais calorosos, mais vulneráveis e próximos?

Contra esse pano de fundo, o meu pequeno atrevimento – usar o meu próprio desenho de amador numa comunicação profissional da empresa – talvez não tenha sido a pior ideia.

Pelo menos terá ajudado a que essa comunicação, ainda que dirigida por uma empresa a profissionais de outras empresas, tivesse a marca de um ser humano que fala com outros. Que é o que toda a comunicação, mesmo entre empresas, deveria ter.

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