Confissões de um publicitário a contragosto

7 de outubro de 2019
Por Jayme Kopke

Não sei se nos conhecemos de algum lado, mas tenho de lhe fazer uma confissão.

Este que lhe escreve, autointitulando-se publicitário, com luzes sobre marketing e comunicação, há dias em que se olha ao espelho e não vê nada disto.

Publicitário, eu? Como, se nunca gostei de dar nas vistas? Se fujo do consumo e sou fraca audiência para os media? Se a televisão, por exemplo, sempre me entediou de morte?

Como tantos colegas, não foi a paixão por vender que me atraiu para esta vida: foi nela caberem tantos dos meus interesses. A publicidade acolheu o meu gosto pela escrita e por ter ideias, a curiosidade pelos negócios, pelo comportamento humano, por resolver problemas. O risco: passar por todas estas coisas sem ir realmente fundo em nenhuma. Teria sido mais feliz de outra forma? Oh, dúvida.

Por sorte, no meu caso, estas interrogações têm sido úteis: convidam-me a reinventar-me, a ir dando novos sentidos ao que faço. Se lhe conto isto, aliás, não é para pedir solidariedade com as minhas questões existenciais: é porque encontro os mesmos dilemas em muitas empresas com que lido. Especialmente nos mercados B2B, que têm sido o meu foco e o da minha agência, a Hamlet.

Definir quem somos implica escolher

Como o meu percurso na publicidade, o de muitas destas empresas começou sem grande reflexão. O empreendedor viu a oportunidade e avançou. A coisa andou, a empresa cresceu, pelo caminho ganhou uma imagem, uma forma de operar, uma identidade.

Só que, como nunca parou para pensar no assunto, não raro é uma identidade que a própria empresa desconhece. Confusa, contraditória, às vezes gera mais conflitos do que orientação.

A questão não se põe, em geral, até ser preciso comunicar. O caso típico é o da empresa que cresceu graças a contactos ou gastando sola de sapato, mas que, um dia, para ir mais longe, precisa de fazer marketing a sério. Tem de mostrar ao mercado o que a torna única. Tem de ter uma marca.

É então que o empresário descobre que a identidade sobre a qual nunca pensou é um problema. Se para um indivíduo, como eu e você, conhecer-se já é complicado, imagine para uma empresa – com vários sócios, diferentes culturas internas, cabeças, sentenças. E pouco tempo para temas como “quem somos?”, “para onde vamos” e, especialmente, “porquê?”

As empresas do grande consumo estão mais habituadas a estas reflexões. Num universo de decisões instantâneas como é o linear do supermercado, não se diferenciar é morrer – e as marcas B2C sabem disso.

Nas vendas empresariais dá para se ir safando sem construir esse território próprio – até que um dia já não: a empresa tem mesmo de enfrentar o tema, difícil, da sua identidade.

Fonte: Dinheiro Vivo

Difícil porque definir quem somos implica escolher. Implica abandonar ilusões – identificando as próprias forças, mas também aquilo para que nunca teremos unhas. A identidade da marca define-se entre estes dois campos, por vezes tão diferentes do que gostaríamos: o que você é ou pode ser, e o que o mercado pede ou aceita de si.

Tendo ajudado mais de uma empresa a encontrar esta interseção, já vi algumas ficarem a meio. Optar entre as várias identidades que brigavam dentro da empresa mostrou-se demasiado pesado. Era mais fácil manter uma dupla (ou múltipla) personalidade – sabe-se lá com que desperdício de energia e oportunidades.

Nos casos em que a clarificação funciona, no entanto, é uma bela transformação, que permite outro foco e outros resultados. Liberta talento, torna a empresa mais atraente lá fora.

Chegar a esta clareza pode incluir momentos de dúvida e de conflito, não muito diferentes dos que fui superando na minha vida profissional.

O conflito custa, e por isso tantas organizações o evitam – mas, para as que têm a coragem do mergulho, o resultado será o que tem sido para mim. Mais sintonia entre as próprias capacidades e ambições e os desejos do mercado. E, principalmente, a possibilidade de crescer.

 

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