Os valores da sua empresa não são os que ela diz

29 de janeiro de 2020
Por Jayme Kopke
Quando observo a maneira como muitas empresas, especialmente as que operam em mercados business-to-business, tentam explicar ao mercado o que as distingue da concorrência, algo que sempre me intriga é a formulação que dão aos seus “valores”.

O leitor certamente já os encontrou: na página institucional da sua ou de outras empresas, naquela parte que ninguém lê do Relatório e Contas, ou emoldurados em belos quadros na recepção. São normalmente substantivos abstratos – Qualidade, Inovação, Dedicação ao Cliente, Rigor. Expressam ideais de que ninguém discorda. Mas que, normalmente, até porque são muito idênticos de empresa para empresa, pouco ajudam a distinguir a sua da do vizinho.

Quem se guiasse por estes “valores”, que em teoria fundamentam a cultura da empresa, até pensaria que essa cultura, de uma organização para outra, é sempre igual – e não é.

Todos nós já observámos que há umas empresas mais calmas e umas mais aceleradas. Umas muito orientadas para processos, outras mais soltas. Umas mais, outras menos hierárquicas. Umas que tratam os clientes por tu, outras por senhor doutor.

Nenhuma destas características é melhor ou pior à partida – mas são decisivas para tornar uma empresa única.

Há alguns anos, numa multinacional em que trabalhei, estávamos à mesa um colega americano, um português e eu, que sou brasileiro, e comentávamos como eram, na infância de cada um, os almoços em família. Os meus eram uma balbúrdia: pais e irmãos interrompiam-se à vontade, sem ordem nem tema definido. O português, mais velho, contou que à mesa dos seus pais não se falava: era comer e calar. Já na casa do americano era bem diferente: todos os dias, sob o olhar do pai empresário, os miúdos tinham de comentar uma notícia de jornal. Ao almoço treinava-se a oratória e o debate de ideias!

Nada do eu que tenha lido ou estudado, antes ou depois, me deu tanta clareza como este episódio sobre o que se significa a palavra cultura. Os valores que governavam o dia-a-dia em cada uma daquelas três famílias não estavam expressos em palavras pomposas. Traduziam-se em comportamentos e hábitos muitos concretos – e muito diferentes em cada caso.

Não quer isto dizer, obviamente, que em todos os lares americanos, portugueses ou brasileiros os hábitos fossem aqueles. Ou que aquelas três pessoas não tenham, depois, aprendido comportamentos bem diversos dos que treinaram na infância. Mas como não pensar que cada um foi profundamente marcado, enquanto pessoa, profissional, cidadão, pela cultura que trouxe de casa?

Também nas empresas, os valores a sério, os que de facto sustentam a cultura organizacional, não são os que aparecem no Relatório e Contas. São antes os que se manifestam no quotidiano – sem que, no entanto, na maior parte dos casos, se tenha consciência deles. O que é uma pena porque, como qualquer americano, português ou brasileiro sabe, a cultura em que mergulhamos determina muito do que podemos ser. Define as nossas possibilidades e limites, vantagens e desvantagens competitivas.

Para uma empresa, como um país, a cultura pode ser um trunfo a rentabilizar – na definição da própria imagem de marca, para começar – ou um handicap a corrigir. Mas, em qualquer dos casos, a condição é tornar-se consciente.

Para ganhar esta consciência, os famosos “valores”, pelo menos da forma como são normalmente expressos – boas intenções e generalidades em forma de substantivos abstratos – não costumam ser grande ajuda. Um verdadeiro trabalho de observação, normalmente com ajuda externa, como o que é indispensável fazer sempre que uma empresa reflete a sério sobre a sua identidade de marca, costuma bem ser mais promissor.

 

Fonte: Dinheiro Vivo

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