O elefante na sala do Conselho de Administração

15 de dezembro de 2022
Por Jayme Kopke

Quando me interessei pela comunicação de marketing B2B, já lá vão uns anos, tinha muita clareza quanto ao problema que queria ajudar a resolver.

A maior parte da comunicação dirigida a empresas à minha volta parecia ser isso mesmo: dirigida “a empresas” – não a seres humanos. O pressuposto: “empresas” apreciariam uma comunicação fria, racional, cinzenta. Chata.

A minha experiência – profissional e não só – dizia-me que as pessoas em geral preferem uma comunicação bem diferente. E, como as empresas nada mais são do que pessoas a trabalhar juntas, a tal comunicação dirigida “a empresas” não me fazia sentido. A não ser que as pessoas nas empresas fossem tudo o que a restante humanidade não é. Ou seja: seres eminentemente racionais.

Tudo o que tenho lido e estudado desde então, sobre marketing e não só, desmente esta hipótese. Livros como Thinking Fast and Slow, de Daniel Kahnemann, Influence, de Roberto Cialdini, ou Alchemy de Rory Sutherland acabam por bater na mesma tecla: enquanto indivíduos, os seres humanos não estão muito equipados para a racionalidade. E os humanos que lideram empresas, organizações ou governos não são exceções à regra.

A minha leitura mais recente vai no mesmo sentido. “The Righteous Mind – Why Good People are divided by politics and religion”, de Jonathan Haidt, não trata principalmente de marketing, mas de psicologia. O que nele me atraiu, em primeiro lugar, foi a promessa – expressa no subtítulo – de enfim explicar algo que para mim, como para muita gente, tem sido uma inquietação e um mistério.

O que faz com que tantas pessoas aparentemente boas e razoáveis, no mundo inteiro, estejam a tender para posições políticas extremas, que excluem qualquer possibilidade de diálogo com o outro lado? Por que é que, mesmo diante de evidências e de argumentos racionais, se mostram incapazes de mudar de ideias?

Significa que boa parte das nossas decisões são “irracionais”? Um termo melhor seria “pré-racionais”. Porque, uma vez tomadas, o que a nossa razão faz é racionalizá-las. Encontrar um caminho argumentativo que as concilie com as nossas convicções morais conscientes, com o que pensamos sobre nós mesmos ou sobre a realidade. E, especialmente, que permita explicar essas decisões aos outros – para que as aceitem, apoiem, e, eventualmente, até colaborem para as pôr em prática.

O autor sintetiza a sua explicação com uma imagem simples e poderosa sobre a o processo de decisão humano. Segundo ele, a nossa mente é composta de duas personagens: um elefante e alguém que o monta. O elefante é o que ele chama de “intuição”: um conjunto de automatismos emocionais, conscientes ou não, que experimentamos ao entrar em contacto com qualquer elemento da realidade. Diante de uma ideia, um cheiro, uma pessoa, um caminho a seguir, é essa intuição que decide, instantaneamente, se aquilo nos atrai ou repele, se é um like ou um não-like.

O cavaleiro que o monta, como o leitor já deve ter adivinhado, são os nossos processos mentais conscientes e controlados, ou o que costumamos chamar de razão. Na visão clássica do Ocidente, que vem desde Platão, é ela que está no comando, dirigindo e refreando os impulsos. Mas o livro mostra que não é bem assim.

Para Haidt, quem de facto decide é sempre o elefante. Em cada escolha, quando ele vira a tromba para um lado ou para o outro, é muito difícil fazê-lo mudar de ideias. O seu “condutor”, por muito que acredite no contrário, está lá simplesmente para o servir.

Segundo o livro, a evolução não habilitou a nossa razão para funcionar principalmente como um cientista ou um detetive, cujo foco é descobrir a verdade, mas como um advogado (ou um publicitário). Quaisquer que sejam as decisões do seu cliente – neste caso, o elefante – a sua função é defendê-las com os melhores argumentos que encontrar. Argumentar – uma capacidade que desenvolvemos sobretudo para fins sociais – serve menos para chegar a uma boa decisão do que para justificá-la, a posteriori, perante nós próprios, e sobretudo perante os outros.

É claro que isto explica muita coisa sobre a polarização política que grassa no mundo – especialmente a capacidade de tantos dos convertidos para justificar as ações e crenças mais esdrúxulas. Mas o que terá a ver com as vendas, o marketing e a comunicação – em particular no mundo business-to-business?

Na verdade, tem tudo. Saber que, nas decisões humanas (inclusive as empresariais), quem pesa mais é o elefante – ou seja, que há uma pré-decisão intuitiva, automática, que nos informa para onde estamos inclinados mesmo antes de pensarmos no assunto – desmonta de vez a ideia de que serão os argumentos racionais o principal motor da uma venda.

Os argumentos, no entanto, continuam a ser fundamentais: o condutor, a parte controlada e racional da nossa mente, vai precisar deles para justificar a decisão tomada. Factos, dados e bons argumentos tranquilizam e ajudam a guiar o elefante para onde ele quer ir. Seja o elefante do seu cliente, seja o dos outros decisores, dentro da empresa, a quem ele terá de vender a solução proposta.

Uma boa comunicação B2B não é exclusivamente racional, nem desinteressante, nem chata, porque tem que seduzir o elefante. Tem de aprender a sua língua, se lhe quiser despertar, instantaneamente, confiança, simpatia e uma predisposição para o sim. Mas tem de ser, ao mesmo tempo, suficientemente fundamentada, bem argumentada, lógica, para manter em paz – e iludida de que tem o comando – a razão que o monta.

Fonte: Dinheiro Vivo

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