E o seu apartheid, qual é?

20 de maio de 2020
Por Jayme Kopke

Sempre que esbarro com um daqueles desafios que parecem enormes, há um antídoto contra a lamúria que para mim é tiro e queda. Lembro-me de Nelson Mandela.

Espero nunca passar por uma temporada de 30 anos na prisão. Mas foi isso o que aconteceu a Mandela, com direito ocasional a maus tratos e trabalhos forçados. Saiu de lá para transformar um país.

Para muitos de nós, esta estranha primavera tem todo o aspecto de uma prisão. Mesmo para quem não está confinado, a brusca paralisia de tudo é como um par de algemas. Até já se recomeça a falar do futuro, mas com enormes reservas.

Assim como não há memória de um confinamento universal como este, também não há desconfinamento anterior que nos possa guiar. Para setores inteiros da sociedade, o que quer que se veja no fim do túnel não é ainda exatamente luz.

Como atravessar um período como este sem ceder nem à ansiedade nem a um sentimento de impotência? Não sendo, claro, nenhum Mandela, a mim ajuda pensar em quem passou por bem pior, e venceu. Na minha modesta escala, o que posso copiar desse exemplo?

A primeira lição: Mandela dificilmente teria conseguido o que conseguiu se tivesse gasto aqueles 30 anos a queixar-se, a preocupar-se, a entrar em pânico. Em vez disso, fez o que pôde: estudou, organizou, exercitou-se, pensou, cultivou relações – preparou-se.

Fazer o que se pode tem sido a marca destes tempos, com muitas pessoas e empresas a mostrar uma extraordinária capacidade de adaptação. Para algumas o passo nem é tão difícil. Trocar o escritório pelo teletrabalho em muitos casos não é dramático – pelo menos para quem não tem, ao mesmo tempo, os filhos em telescola.

Provavelmente, aliás, as formas de trabalho treinadas nesta fase até vão ficar connosco depois. Assim como muita da venda online que beneficiou, neste período, do recrutamento forçado de consumidores.

Fonte: Dinheiro Vivo

Onde essa substituição não é viável, é natural que a angústia seja maior. O que significa “fazer o que se pode” quando a sua fábrica está fechada, a praia em frente ao seu hotel não tem turistas e o futuro é tão incerto que até fazer planos é impossível?

Imagino que, nos seus 30 anos de confinamento, Mandela tenha tido muitos momentos assim. O que será que o susteve? O que o impediu de desistir, mesmo face a uma incerteza e a limitações tão maiores do que as nossas?

Duas respostas. A primeira, claro, a sua personalidade excepcional – e só sua. Mas a segunda foi o apartheid. Ou antes: a visão de um país sem ele. A luz ao fim do túnel, para Mandela, era essa. Imagino que, quando não via qualquer outra, era dela que se socorria para não desistir.

É claro que não sou, e provavelmente o leitor também não, nenhum Mandela, e a visão que porventura nos move será por certo bem menos grandiosa. Ainda assim, convém ter alguma.

Sobre a “nova normalidade” que aí vem a única coisa que sabemos é que será, para a maior parte das pessoas e das empresas, um osso duro de roer. Haverá momentos de fazer o que se pode. E momentos em que não conseguiremos nem isso.

Mas, lá bem longe, onde quer que seja o fim do túnel, emergiremos – se mantivermos acesa, na nossa própria visão, a tal luz que nos guia até lá. Já pensou qual é a sua?

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