E que tal uma carreira nas vendas?

Nas suas famosas Confissões, David Ogilvy relata com orgulho a sua experiência de vendedor porta a porta, sem a qual, diz ele, não teria sido o publicitário que foi.

Não creio que em todos os casos seja indispensável ir tão longe, mas um mínimo de noções sobre o comportamento do consumidor ou do cliente, sobre o que o faz comprar e de que maneira a comunicação influencia essa compra deveria ser o básico para qualquer um nesta profissão. Na prática, não é assim.

A maior parte dos criativos, por exemplo, investe tempo a olhar para o trabalho de outros criativos, para o criticar ou admirar, no que fazem muito bem. Mas em geral não estudam com o mesmo afinco a relação entre esse trabalho e os seus resultados, sejam eles quais forem. Têm uma boa desculpa para isso: a informação sobre esses resultados, incluindo análises fiáveis sobre a verdadeira medida em que a comunicação os influenciou, não é fácil de obter nem tem a sua circulação favorecida no interior das agências de publicidade.

Para muitos produtos de grande consumo, a publicidade não é o factor imediatamente responsável pela venda, ficando o momento de compra afastadíssimo da altura em que o consumidor é exposto à comunicação. O papel do anúncio é criar ou alimentar a marca, que será ou não “activada” no ponto de venda. A publicidade influencia a compra de uma forma bastante indirecta.

Noutros casos, o anúncio provoca, sim, a venda – e pode fazê-lo sem qualquer criação de marca. É o caso de muita da publicidade de resposta directa, uma ferramenta tratada em muitas agências “criativas” com um desdém que beira o horror.

Esta é muitas vezes uma razão de incompreensão e conflito entre um determinado tipo de anunciante – por exemplo as empresas de crédito ao consumo, ou certas cadeias de retalho – 100% focado na venda, e um determinado tipo de agência, 100% focado no que entendem ser a criação da marca.

O pressuposto das agências é que a marca, entendida dessa maneira, é necessária sempre. Ora, a experiência desses anunciantes montra que as vendas podem perfeitamente ocorrer sem “marca”, e às vezes com um retorno brutal sobre o investimento em publicidade. Nesse tipo de estratégia, que pode ou não ser consciente, a marca é até bem-vinda como um subproduto, eventualmente facilitando as vendas futuras, mas o anunciante pode não querer investir nem um cêntimo em troca desse retorno que não consegue ou não está disposto a medir. Está no seu direito.

As agências também estão no seu direito ao decidirem que o seu trabalho se restringe à comunicação “de marca”, deixando de lado toda a restante comunicação de marketing. O que não deveriam é pensar que as duas coisas se confundem, ou tentar impor ao anunciante uma estratégia de comunicação que ele não pediu ou de que não precisa.

Em muitos anos de trabalho em agências, nunca vi este assunto ser tratado com clareza e sem um certo fervor religioso que é o maior inimigo da objectividade. A minha explicação é que a maior parte dos meus colegas publicitários (e aqui durante muito tempo estive incluído) não segue o exemplo de Ogilvy, e não dedica muito tempo a pensar nos detalhes do processo de venda e nas muitas diferentes maneiras como a comunicação o pode influenciar.

Jayme Kopke

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Categorias:
Comunicação de marketing, Marcas, Marketing B2B, Marketing directo
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