Abaixo o networking

5 de maio de 2022
Por Jayme Kopke

Deve ser uma deformação profissional – estou na comunicação e sei que as palavras contam – mas o certo é que embirro com algumas. Uma delas é “networking”.

E não é só por ser uma daquelas inglesices que regularmente nos entram no vocabulário sem que façam qualquer falta. Como as “calls”, que nos invadiram a vida ao mesmo tempo que o vírus – e, como ele, também parecem ter vindo para ficar.

O networking é mais grave.

Não me entenda mal. Eu espero que a sua vida profissional lhe permita conhecer muitas pessoas. E acho ótimo que crie de propósito oportunidades para isso, usando todos os pretextos que conseguir – aquele congresso, por exemplo, cujos temas não lhe interessam nada, mas onde encontrará Fulano, que talvez lhe possa apresentar Beltrano.

Sem pessoas não se fazem negócios, não se colabora, não se produz. E, sim, as pessoas se relacionam em rede. Mas, então, o que há de errado com o networking?

O que há de errado é a ideia por trás. Se, ao fazer contacto com uma pessoa, declaro à partida – mesmo que seja só a mim próprio – que se trata de “networking”, estou a reduzi-la a um elo numa cadeia. Estou a sinalizar que aquele contacto não é um fim em si mesmo, mas um instrumento. O seu sentido já não é propriamente relacional, mas transacional: vamos conhecer-nos porque quero X de si e tenho Y para dar em troca. Para lá desse interesse, a pessoa específica à minha frente não tem grande importância.

É verdade que negócios são movidos por interesses, e não há qualquer mal em ter relações, como se diz, “estritamente profissionais”. Quando vou a uma loja, normalmente não espero ser para a pessoa que me serve nada mais do que um cliente: um rosto sem nome, sem história, apenas com uma necessidade e dinheiro para a troca.

O “networking”, supostamente, é o contrário disso. Parte do princípio que, para transações mais complexas do que uma venda ao balcão, colaboraremos melhor se nos conhecermos mais a sério. Mas o termo, ao explicitar a sua intenção, estabelece também os limites desse conhecimento. Vamos “conectar”, mas não com a pessoa inteira: apenas com a parte que interessa para os negócios.

Fonte: Dinheiro Vivo

Para muitas pessoas, essa parte que é autorizada a mostrar-se no mundo profissional corresponde a uma espécie de máscara. Uma fachada que nos torna unidimensionais, menos expressivos, menos autênticos do que no mundo lá fora – e menos felizes também. Felizmente, não é assim para todos, nem em todos os contextos. Mas não é por acaso que algumas empresas procuram, deliberadamente, abrir espaço dentro da organização para “o outro lado” dos seus colaboradores – a sua família, os seus hobbies e interesses. É uma forma de quebrar esse muro que, com frequência, separa a vida profissional da verdadeira vida. E, durante o expediente, separa tantas pessoas de si mesmas.

Chamar de networking a criação intencional de laços sociais é, ao contrário, pôr mais uns tijolos nesse muro. Por isso, a minha sugestão para si é que nunca mais o faça. Quando for àquele tal congresso, com o fim específico de conhecer pessoas, espero que as encontre. Mas que possa ver nelas mais do que um degrau para chegar a outras, que por sua vez só valem na proporção dos negócios que prometem.

O meu desejo de coração é que desse evento, pequeno-almoço “de negócios” ou mesmo das horas que passa numa rede como o Linkedin possam surgir para si conversas realmente interessantes. Algumas podem ser sobre trabalho, outras nem por isso. E, por trás delas, que a sua vida se enriqueça com ligações reais a pessoas inteiras. Pessoas com quem, eventualmente, poderá ser um prazer fazer negócios. Mas das quais, se isso não acontecer, continuará a gostar, e ficará grato por as ter conhecido.

Palavras importam: a forma mais rápida de mudar o mundo – e o mundo dos negócios e do trabalho bem precisa de algumas mudanças – é dar-lhe novos nomes. E deitar fora os que já os que já não servem, como o “networking”. Lixo com ele, já.

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