Quando as agências querem brincar aos médicos

As agências de publicidade sempre olharam com inveja para os médicos – estas sumidades tão reverenciadas que os seus clientes nem se importam de secar na sala de espera até serem recebidos pelo senhor doutor. As agências também gostavam de ser a autoridade no seu campo. Mas são uma autoridade que manda pouco, e acaba por fazer o que o cliente quer. Por que será? Neste artigo, que publiquei no Briefing, dou umas pistas de cura para esse mal-estar.

Por Jayme Kopke

 

Provavelmente por ser verão, e haver mais tempo livre nos departamentos criativos, nos últimos tempos tenho visto iniciativas de autopromoção interessantes por parte de algumas agências de publicidade.

Esta chamou-me a atenção, por três razões.

A primeira é que o vídeo está engraçado.

A segunda é que – certamente por coincidência, ou porque o paralelo entre médicos e agências não é propriamente novo – a ideia é a mesma deste texto que publiquei há muitos anos, e de que já nem me lembrava.

A terceira, e mais importante, é que ver este desabafo estival sobre os males da relação agência-cliente me fez pensar nas razões de as coisas serem assim.

A típica relação entre uma agência de publicidade e os anunciantes é um caso extremo, mas não único, do desequilíbrio de poder entre um prestador de serviços B2B e os seus clientes.

Na sua geometria mais característica, é uma relação em que o cliente manda – ponto. A agência, que em teoria é a autoridade na sua área de atuação, na prática raramente tem essa autoridade. O saber sobre marketing e publicidade de qualquer profissional de comunicação da agência pode ser contestado pelo estagiário mais júnior do lado do cliente.

Não admira que as agências sonhem com o polo oposto: a relação médico-paciente. Pelo menos na sua versão tradicional (que, aliás, cada vez menos é o que era), aqui o desequilíbrio é ao contrário. O médico manda. O cliente aguarda na sala de espera, ouve o senhor doutor respeitosamente e segue a receita. Era bom que com os clientes das agências também fizessem assim, não era?

Este não é um problema que afete só as agências: outros prestadores de serviços têm problemas semelhantes. Mas é irónico que justamente as agências o tenham deixado acontecer, porque se trata, em boa medida, de um problema de marketing.

Autoridade é perceção. O médico só “manda” no seu paciente porque este, voluntariamente, se dispõe a obedecer. O que acontece com a relação cliente/agência para que não seja assim? E o que pode fazer uma agência, senão para inverter a relação de poder, ao menos para que se torne mais equilibrada?

Um bom primeiro passo é ler o livro de Robert Cialdini “Influence”. Um dos seis princípios da persuasão demonstrados pelo dr. Cialdini é justamente o da Autoridade. E o que ele mostra é quanto os sinais exteriores – o diploma na parede, o uniforme, um livro publicado, a recomendação de um terceiro – são poderosos para criar a ideia de que se está a falar com uma autoridade. E quanto, por sua vez, essa impressão pode alterar os seus comportamentos, fazendo com que acate as recomendações ou pedidos da “autoridade”.

Há classes profissionais (como os médicos de antigamente) ou organizações (como certas consultoras) extremamente hábeis a criar esta imagem de autoridade, fazendo-se obedecer e pagar por ela. As agências já foram boas nisso, nos bons tempos dos Mad Men. Mas aparentemente esqueceram-se da receita. O que é que poderiam fazer, hoje, para recriar esta aura, num campo em que frequentemente parecer é ser?

É claro que há mais fatores envolvidos, e a explicação para a perda de estatuto das agências não será assim tão simples. Mas olharem para o problema como uma questão de marketing e disporem-se a tomar do seu próprio remédio pode o início de uma solução.”

 

Publicado originalmente no Briefing online

Categorias:
agências, Comunicação de marketing, Marketing B2B, O mundo online
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