De uns tempos para cá o meu micro-ondas começou a manifestar uns caprichos. Quando ponho a sopa para aquecer, ele às vezes cumpre zelosamente os dois minutos que marquei. Mas há dias em que o botão, em vez de ir para o zero, vai para o infinito. Se me distraio, arrisco-me a só encontrar no prato uns restos de sopa incandescente.
O meu micro-ondas tem tantos anos de casa que já faz parte da família. Mas sei que, mais dia, menos dia, será descartado. Pessoas têm direito a moods e vontades. Máquinas, não.
O que se quer de uma máquina é que funcione de forma tão previsível como o meu micro-ondas quando era novo. É o que também se espera de toda atividade empresarial: resultados que possam ser previstos e controlados com razoável certeza.
Pensar o negócio como uma máquina é o que explica o sucesso do McDonald’s, da Amazon ou da mercearia da esquina. Se, em certa medida, mesmo a empresa mais pequena não o fizer, não irá longe.
O que vale para a empresa também vale, claro, para o seu marketing. Se ele não for, até certo ponto, uma máquina, com processos sistemáticos e automatizados, o resultado será aleatório.
Processos como, por exemplo, os que formam o seu funil de conversão: o percurso que, partindo de uma ideia clara dos públicos-alvo, prevê mecanismos para os atrair, captar os seus dados, mantê-los envolvidos até à venda.
São mecanismos que, uma vez montados, devem poder funcionar sem muitas intervenções pontuais. Também devem poder ser medidos e controlados, para se saber o que funciona e o que não, e que peças do sistema – que nível de preço, que anúncio, que landing page – é preciso reparar.
“Até certo ponto”… “Em certa medida”… Se, até aqui, fui fazendo estas ressalvas, é porque, por outro lado, nenhuma empresa é uma máquina. Como poderiam, se são feitas de pessoas?
Pessoas até podem – embora, mais uma vez, só até certo ponto – agir como máquinas. Podem ganhar hábitos, automatizar gestos, ou até integrar-se, como uma peça a mais, no funcionamento de outras máquinas.
Desde a revolução industrial, esta nossa aptidão para funcionar como máquinas ganhou uma uma esmagadora importância. Chaplin, em Tempos Modernos, satirizou-a na sua ilustração mais óbvia: o operário industrial. Mas não foi só no chão da fábrica que se deu este empenho de tornar tudo repetível e sistemático. Lá no andar de cima aconteceu o mesmo. Processos de decisão racionais e previsíveis exigiam gestores previsíveis e racionais.
Daí nasceu o típico “homem de negócios”, com seu fato cinzento e, no máximo, uma corzinha (discreta) na gravata. Trata-se de um ser que decide sem erros, sem vieses, sem emoções. Assim como o empregado que nunca adoece nem vai à casa de banho, este gestor ideal só tem um problema: não existe na realidade.
Fonte: Dinheiro Vivo
Ver as empresas como meras máquinas tem pelo menos uma consequência ética: torná-las máquinas de gerar infelicidade. E várias outras mais utilitárias. Por exemplo: mesmo enquanto máquinas, as empresas funcionam pior se não têm em conta que são feitas de gente. Gente que, como o meu micro-ondas, comete erros. Mas que, por outro lado, é capaz de inovar ou apaixonar-se pelo que faz. Coisas que o meu micro-ondas, por muito que se engane nas horas, ainda não consegue fazer.
Lembrar-se disto é particularmente importante para quem está no marketing B2B – onde o mito do decisor 100% racional continua vivo. E onde muitas empresas continuam a comunicar com esse mito, e não com os decisores reais: seres sujeitos, como os outros humanos, a emoções, vieses, modas e manias.
Para influenciar esses decisores reais, o seu marketing até pode ser uma máquina – mas só até certo ponto. Pode e deve ter os tais automatismos que lhe darão escala e previsibilidade. Mas precisará também de outros componentes. Empatia. Surpresa. Humor. Autenticidade. Chispa.
Tudo coisas que não são o forte das máquinas. Mas são indispensáveis para seduzir os humanos.