Se eles não existissem, provavelmente o marketing não seria necessário.
Estou a falar dos hábitos: desse espantoso mecanismo que nos permite automatizar comportamentos ou operações mentais, desde os mais simples, como pôr um pé após o outro para caminhar, até às proezas de perícia de um grande músico ou atleta.
Todo o nosso comportamento, atitudes e conhecimento é determinado pela capacidade de tornar automáticas operações complexas, de modo que não exijam atenção. Aliás, quando se trata desses automatismos a atenção até atrapalha. Experimente dar um laço reparando em cada movimento que faz. Vai ver como fica bem mais difícil.
Naturalmente, para cumprirem essa função de libertar espaço mental, é da natureza dos hábitos terem uma considerável rigidez: quando se colam à nossa vida, colam-se mesmo. O que, por um lado, é perfeito: podemos passar muito tempo sem conduzir ou andar de bicicleta, com a confiança de que o corpo não se vai esquecer. Não é por acaso que a palavra “hábito” está tão próxima de “habitar”: os hábitos são a nossa zona de conforto, onde nos sentimos em casa. Dão-nos segurança, estabilidade, limites.
Só que, pelo mesmo motivo, são também a nossa prisão – como sabe perfeitamente quem, por exemplo, já tentou parar de fumar. E não falo simplesmente dos “maus” hábitos – o que quer que isto signifique para si. Quem já não se apanhou, nos dias a seguir a mudar para uma nova casa, a fazer, em piloto automático, o caminho da antiga? Mudar um hábito quando é preciso pode ser a coisa mais difícil do mundo.
Acontece que boa parte dos desafios do marketing consiste precisamente nisto: levar pessoas a trocarem velhos e confortáveis hábitos por aqueles que lhes queremos propor.
O cliente habituou-se aos bolos, queremos que passe a comer fruta. Viciou-se em sofá e netflix, queremos que saia e venha ao teatro. Ganhou o péssimo hábito de só trabalhar com a concorrência – queremos que pelo menos receba os nossos vendedores. Habituou-se a pensar que todas as marcas de são iguais e a só comprar pelo preço – queremos que considere a hipótese de que a nossa, que é mais cara, vai valer o investimento.
Fonte: Dinheiro Vivo
Se não houvesse a resistência dos hábitos, vender seria bem mais fácil. Bastava ter bons argumentos e pronto. Como não é assim, o marketing é uma trabalheira. Primeiro tem de fazer parar e pensar. Surpreender. Chacoalhar o cliente para que pelo menos saia do automatismo e considere o que lhe temos a oferecer. Depois, repetir e repetir o mesmo estímulo ou mensagem – até que o hábito ceda e dê lugar a um novo.
Não é nada fácil. Requer criatividade, primeiro, teimosia a seguir. Mas compensa – porque, vencida a resistência, o maior inimigo do marketing pode transformar-se em amigo. A ferramenta para essa segunda etapa chama-se marca. O seu papel é tornar todas as reações positivas a um produto ou serviço em automatismos. De preferência, tão fortes que mesmo os argumentos mais lógicos da concorrência terão dificuldade para os extirpar.
E esta forma de funcionar das marcas não vale apenas para o consumo. Mesmo no universo business-to-business, onde as decisões têm a fama de ser mais racionais, elas têm o mesmo poder. Os decisores empresariais não são menos suscetíveis à habituação do que os outros humanos.
No B2B como no B2C, os hábitos são o pior inimigo e o melhor amigo do marketing. Perceber como funcionam, como se criam e como podem ser quebrados é básico para quem tem algo a vender.