Quando me interessei pela comunicação de marketing B2B, já lá vão uns anos, tinha muita clareza quanto ao problema que queria ajudar a resolver.
A maior parte da comunicação dirigida a empresas à minha volta parecia ser isso mesmo: dirigida “a empresas” – não a seres humanos. O pressuposto: “empresas” apreciariam uma comunicação fria, racional, cinzenta. Chata.
A minha experiência – profissional e não só – dizia-me que as pessoas em geral preferem uma comunicação bem diferente. E, como as empresas nada mais são do que pessoas a trabalhar juntas, a tal comunicação dirigida “a empresas” não me fazia sentido. A não ser que as pessoas nas empresas fossem tudo o que a restante humanidade não é. Ou seja: seres eminentemente racionais.
Tudo o que tenho lido e estudado desde então, sobre marketing e não só, desmente esta hipótese. Livros como Thinking Fast and Slow, de Daniel Kahnemann, Influence, de Roberto Cialdini, ou Alchemy de Rory Sutherland acabam por bater na mesma tecla: enquanto indivíduos, os seres humanos não estão muito equipados para a racionalidade. E os humanos que lideram empresas, organizações ou governos não são exceções à regra.
A minha leitura mais recente vai no mesmo sentido. “The Righteous Mind – Why Good People are divided by politics and religion”, de Jonathan Haidt, não trata principalmente de marketing, mas de psicologia. O que nele me atraiu, em primeiro lugar, foi a promessa – expressa no subtítulo – de enfim explicar algo que para mim, como para muita gente, tem sido uma inquietação e um mistério.
O que faz com que tantas pessoas aparentemente boas e razoáveis, no mundo inteiro, estejam a tender para posições políticas extremas, que excluem qualquer possibilidade de diálogo com o outro lado? Por que é que, mesmo diante de evidências e de argumentos racionais, se mostram incapazes de mudar de ideias?
Significa que boa parte das nossas decisões são “irracionais”? Um termo melhor seria “pré-racionais”. Porque, uma vez tomadas, o que a nossa razão faz é racionalizá-las. Encontrar um caminho argumentativo que as concilie com as nossas convicções morais conscientes, com o que pensamos sobre nós mesmos ou sobre a realidade. E, especialmente, que permita explicar essas decisões aos outros – para que as aceitem, apoiem, e, eventualmente, até colaborem para as pôr em prática.
O autor sintetiza a sua explicação com uma imagem simples e poderosa sobre a o processo de decisão humano. Segundo ele, a nossa mente é composta de duas personagens: um elefante e alguém que o monta. O elefante é o que ele chama de “intuição”: um conjunto de automatismos emocionais, conscientes ou não, que experimentamos ao entrar em contacto com qualquer elemento da realidade. Diante de uma ideia, um cheiro, uma pessoa, um caminho a seguir, é essa intuição que decide, instantaneamente, se aquilo nos atrai ou repele, se é um like ou um não-like.
O cavaleiro que o monta, como o leitor já deve ter adivinhado, são os nossos processos mentais conscientes e controlados, ou o que costumamos chamar de razão. Na visão clássica do Ocidente, que vem desde Platão, é ela que está no comando, dirigindo e refreando os impulsos. Mas o livro mostra que não é bem assim.
Para Haidt, quem de facto decide é sempre o elefante. Em cada escolha, quando ele vira a tromba para um lado ou para o outro, é muito difícil fazê-lo mudar de ideias. O seu “condutor”, por muito que acredite no contrário, está lá simplesmente para o servir.
Segundo o livro, a evolução não habilitou a nossa razão para funcionar principalmente como um cientista ou um detetive, cujo foco é descobrir a verdade, mas como um advogado (ou um publicitário). Quaisquer que sejam as decisões do seu cliente – neste caso, o elefante – a sua função é defendê-las com os melhores argumentos que encontrar. Argumentar – uma capacidade que desenvolvemos sobretudo para fins sociais – serve menos para chegar a uma boa decisão do que para justificá-la, a posteriori, perante nós próprios, e sobretudo perante os outros.
É claro que isto explica muita coisa sobre a polarização política que grassa no mundo – especialmente a capacidade de tantos dos convertidos para justificar as ações e crenças mais esdrúxulas. Mas o que terá a ver com as vendas, o marketing e a comunicação – em particular no mundo business-to-business?
Na verdade, tem tudo. Saber que, nas decisões humanas (inclusive as empresariais), quem pesa mais é o elefante – ou seja, que há uma pré-decisão intuitiva, automática, que nos informa para onde estamos inclinados mesmo antes de pensarmos no assunto – desmonta de vez a ideia de que serão os argumentos racionais o principal motor da uma venda.
Os argumentos, no entanto, continuam a ser fundamentais: o condutor, a parte controlada e racional da nossa mente, vai precisar deles para justificar a decisão tomada. Factos, dados e bons argumentos tranquilizam e ajudam a guiar o elefante para onde ele quer ir. Seja o elefante do seu cliente, seja o dos outros decisores, dentro da empresa, a quem ele terá de vender a solução proposta.
Uma boa comunicação B2B não é exclusivamente racional, nem desinteressante, nem chata, porque tem que seduzir o elefante. Tem de aprender a sua língua, se lhe quiser despertar, instantaneamente, confiança, simpatia e uma predisposição para o sim. Mas tem de ser, ao mesmo tempo, suficientemente fundamentada, bem argumentada, lógica, para manter em paz – e iludida de que tem o comando – a razão que o monta.
Fonte: Dinheiro Vivo