Oh, não, preciso de uma estratégia! Por onde começo?
A palavra “estratégia” impressiona. E, como impressiona, pode ajudar a vender gato por lebre – dando esse nome pomposo a ideias mais ou menos banais. Também pode assustar quem de facto precisa de desenvolver uma, como é o caso de qualquer empresa que pretenda comunicar. O objetivo deste artigo é, primeiro, lembrar que uma estratégia pode ser algo bem simples. E sugerir duas perguntas, frequentemente esquecidas, que devem estar na base de qualquer estratégia digna desse nome.
Um dos termos mais usados e abusados na comunicação de marketing, como, aliás, noutras áreas, é a palavra estratégia. Por duas razões: uma boa e uma má.
A boa razão é que, para qualquer desafio que se tenha de resolver, dá sempre jeito ter uma estratégia. A má razão é que, quando alguém enche a boca para falar de estratégia, pensamos logo que num raciocínio extremamente complexo e inacessível, digno de uma mente brilhante. A palavra impressiona e intimida.
Isto pode ser usado, e frequentemente é, para vender banha da cobra: fazer com que brilhem e custem mais caro, dando-lhes esse nome pomposo, ideias ou recomendações banais. Ao mesmo tempo que pode bloquear a inventividade de quem de facto precisa de encontrar uma estratégia, fazendo o desafio parecer maior do que é.
Eu, por exemplo, não estou imune. Sempre que sou chamado a desenvolver uma estratégia de comunicação (o que, sendo o que faço para viver, acontece com frequência), o primeiro reflexo é sentir o peso da palavra. Desenvolver uma estratégia, eu? Oh, céus. Serei capaz? Felizmente, no minuto seguinte já me lembro que uma estratégia, em qualquer área, é à partida uma coisa simples. Significa apenas o melhor caminho para chegar a algum lado.
Não quer dizer que seja sempre fácil. O próprio facto de ser necessária uma estratégia pressupõe que a tarefa tenha alguma dificuldade. Mas também não tem de ser um bicho-de-sete-cabeças, principalmente se temos algum método para encontrar as respostas.
O meu é bastante básico, mas tem-me servido. E, quando digo básico, é porque é mesmo: consiste em fazer meia dúzia de perguntas de puro bom senso. Numa estratégia de comunicação, elas são conhecidas: tenho que saber quem é o meu público-alvo, quem é a minha concorrência e como comunica. Não vou repeti-las aqui. O objetivo deste texto é apenas chamar atenção para duas dessas perguntas que, na minha experiência, são chave, mas que muitas vezes nos esquecemos de fazer.
1. A primeira pergunta: o caminho é mesmo para onde?
Se uma estratégia é “o melhor caminho para chegar a algum lado”, convém lembrar que esta formulação já tem, pelo menos, dois pressupostos. Um deles é que sei onde quero chegar. O outro: tenho um critério para definir o que é o melhor caminho. Pode ser o mais curto. O mais rápido. O que tem menos custos. O que me proporciona a melhor paisagem. Ou o que me evita algum perigo.
Numa estratégia, portanto, a primeira decisão a tomar tem a ver com os objetivos. Parece óbvio – e é. Só que, precisamente por ser tão óbvio, pode levar ao erro de nem sequer nos colocarmos a questão. E de assumir que o nosso objetivo é evidente, quando em muitos casos não é.
Na comunicação de marketing este erro é o pão de cada dia. É frequente ser decidida uma iniciativa – desde uma campanha tática até algo tão grave como mudar o nome da marca – e, quando se pergunta pelo objetivo, fica claro que ninguém pensou no assunto. Quando muito, pensou-se tão de raspão que a resposta é um desejo vago, difícil de aferir se será concretizado, ou então irrealista, impossível de alcançar com a ação proposta.
Também não é incomum até haver um objetivo declarado, mas que só está ali para esconder um outro, que não se quer confessar. Lembro-me de fazer uma campanha, há muitos anos, cujo objetivo, expresso no briefing, era estimular os portugueses a receberem bem os turistas. A equipa criou os anúncios em função desse propósito. Só quando vieram os pedidos de alteração do cliente é que descobrimos que o objetivo era outro. A campanha “educativa” era, afinal, um mero pretexto para divulgar números do turismo favoráveis ao governo, já que haveria eleições em breve. No fim, a campanha nem fez uma coisa, nem outra: nem foi uma boa ação educativa nem foi boa propaganda. Passou apenas uma mensagem confusa.
Formular objetivos pode ser complicado por várias razões. A mais fundamental é que objetivos têm a ver com o querer, e nós, humanos, nem sempre sabemos o que queremos. Isto tanto vale para as pessoas como para organizações, que nada mais são do que grupos de pessoas. Não é que tenhamos falta de desejos. Pelo contrário: costumamos ter desejos a mais, uns a concorrer com os outros, o que torna a escolha difícil.
Nas organizações como nos indivíduos, hierarquizar diferentes desejos supõe uma negociação. Implica, primeiro, sentir, escutar-se, para perceber o peso e a capacidade de mobilização de cada um deles: o que é que eu (ou a minha empresa) quero mesmo muito? Quais desejos aceito sacrificar em favor de outros, e quais são inegociáveis?
Implica, por outro lado, encontrar forma de pôr esses vários quereres de acordo, para que a realização de um não frustre outros, mas que, ao contrário, colaborem. Para isso é preciso pô-los em fila, definindo uma sequência lógica de objetivos: se tratarmos primeiro, por exemplo, da comunicação da marca, ficará mais fácil depois promovermos os nossos produtos. Ou, ao contrário: se começarmos pela promoção do produto, depois haverá dinheiro para promover a marca. Qual das sequências será melhor? Para cada caso concreto haverá uma resposta. Mas, pelo simples facto de partimos à sua procura, na verdade já estamos a pensar estrategicamente.
Porque estas negociações e decisões não são fáceis, formular objetivos pode ser complicado. Mas não tem de o ser: às vezes é só uma questão de pensar no assunto. O importante é saber que uma boa estratégia começa sempre por aí. Sem uma ideia clara do ponto de chegada, é impossível encontrar o melhor caminho.
2. Mas então qual é o problema?
Segunda constatação muito básica: para encontrar uma solução, primeiro é preciso definir o problema.
É básica, mas, mais uma vez, surpreende a frequência com que é esquecida. Na comunicação de marketing, por onde transito, fico admirado com a quantidade de iniciativas que não resolvem problema nenhum – simplesmente porque ninguém definiu o problema que deveriam resolver.
“Definir o problema” é muito parecido com “definir o objetivo”, só que com uma nuance: reconhece que entre o lugar onde estou e aquele onde quero estar existe algum tipo de barreira. Caso contrário, qual seria a necessidade de uma estratégia?
Não é por acaso que a palavra “estratégia” vem do vocabulário militar. Militares só existem porque existem inimigos: um objetivo militar pressupõe uma resistência que é preciso vencer. O primeiro passo para isso é sempre uma avaliação do terreno. Onde está o inimigo? Onde ele é mais forte? Onde posso ser mais forte do que ele? Por onde devo ir para encontrar a menor resistência possível – seja do inimigo, seja do próprio terreno?
Numa estratégia em que, por hipótese, já tenha claro um objetivo geral – digamos, promover a venda das minhas embalagens para a indústria alimentar – a pergunta seguinte ´é o que as impede, hoje, de ser compradas. Será que os compradores nas empresas não as conhecem? Ou são conhecidas, mas vistas como iguais à concorrência, que por acaso tem um preço mais baixo? Pior: serão percebidas como inferiores? Ou será que, mesmo sendo o meu produto melhor e mais barato, os clientes resistem porque as vantagens não parecem compensar os custos da mudança?
Qualquer que seja a resposta, descobri-la é essencial porque permite definir o problema a resolver. Em algumas das hipóteses acima, são claramente problemas em que a comunicação pode ajudar: se o meu produto não é conhecido, por exemplo, tenho de trombetear a sua existência. Noutros casos, pode não ser um problema de comunicação: se o meu produto é mesmo pior e mais caro do que a concorrência, pode não haver comunicação no mundo capaz de vencer a resistência dos clientes.
Identificar o problema permite olhar outra vez para o ponto central da estratégia – o objetivo a atingir – mas de forma mais focada e específica. Não basta saber que quero aumentar as vendas das minhas embalagens. Como agora sei onde estão as resistências a que isso aconteça, posso redefinir o meu objetivo como: “aumentar a notoriedade da marca”, ou, coisa totalmente diferente, “mostrar como os ganhos de mudar as embalagens superam os inconvenientes”. Posso inclusive decidir não comunicar este ano, e direcionar os meus esforços para uma melhoria do produto.
Em resumo…
Tudo isto, mais uma vez, é bastante básico: nada mais do que o bom senso que aplicamos em muitas situações do dia a dia. Mas como, por alguma razão, o bom senso nem sempre nos aparece quando precisamos dele, especialmente quando está em jogo a pomposa palavra “estratégia”, convém recordar a fórmula para o convocar.
Parte dessa fórmula, para mim, têm sido estas duas perguntas, de que tento nunca me esquecer ao definir uma estratégia de comunicação:
- Qual é mesmo o objetivo que quero atingir?
- Para atingir esse objetivo, qual é a resistência que vou encontrar? Ou, noutras palavras: qual é o problema a resolver?
É óbvio que, numa estratégia, definir o objetivo e o problema ainda não é tudo: falta este pequeno detalhe que é encontrar a solução. Mas, se escrevi este artigo, é porque um dos erros mais frequentes que vejo ser cometido na minha área é saltar para uma ação sem ter feito, antes, estas duas perguntas. No melhor dos casos, a ação não servirá para nada. Gastamos tempo e energia, eventualmente acalmamos a ansiedade de nos sentirmos a fazer qualquer coisa – mas não chegamos a lugar nenhum.
Já agora, uma terceira pergunta: precisa de ajuda com a estratégia de comunicação da sua empresa? Só que esta é fácil: fale com a Hamlet. Somos bons a fazer perguntas que levam a boas estratégias. E produzem resultados.