5 livros para entender os humanos – episódio 3: Nudge
Parece lógico, não é? Se o papel do marketing é influenciar escolhas, um dos assuntos que mais nos deveriam ocupar é a maneira como as pessoas escolhem.
Sobre este tema, no entanto, o normal é basearmo-nos em pressuposições erradas. Por exemplo, a ideia de que as nossas escolhas seriam “racionais”.
Era ótimo que fossem. Seria um mundo em que ninguém teria dificuldade em parar de fumar. Seria fácil seguir uma dieta. E ninguém precisaria ser multado por excesso de velocidade.
Mas o facto é que nenhuma destas mudanças de comportamento é fácil.
Nudge – Como decidir melhor em questões de saúde, riqueza e felicidade – explica as razões para isso. E, ao propor uma nova abordagem para quem quer influenciar comportamentos, tornou-se um daqueles livros indispensáveis para qualquer profissional de marketing.
O pressuposto de que a maior parte das decisões humanas são conscientes e racionais está na base de muito do que fazemos quando queremos mudar comportamentos. Seja no marketing de produtos e serviços, seja naquelas campanhas de “conscientização” que dão tanto que fazer aos governos.
As campanhas antitabagismo, por exemplo, sempre comunicaram à exaustão os riscos do tabaco – inclusive com aquelas imagens horrendas nos maços. O resultado: as pessoas aprenderam a ignorar as imagens e continuaram a fumar.
Nudge (o título é um termo que em português do Brasil se traduz por “cutucar”, no sentido de dar um empurrãozinho) parte de uma ideia distinta. Para eles, mais do que a deliberação consciente, o que determina muitas das nossas decisões são aqueles reflexos do cérebro de que já falamos, no artigo sobre Pensar, Depressa ou Devagar. São vieses, erros ou atalhos heurísticos, e é com eles que respondemos, quase sempre sem nos darmos conta, às escolhas que temos de fazer.
O que caracteriza essas respostas semiautomáticas é uma extrema sensibilidade ao contexto: a forma, o lugar ou o momento em que somos confrontados com uma escolha pode levar-nos a decisões opostas. Daí a ideia central do livro: se queremos influenciar comportamentos, devemos dar atenção ao que os autores chamam a “arquitetura da escolha”. Ou seja: à criação de contextos que favoreçam as opções que preferimos.
Numa cantina escolar, por exemplo, a preferência por legumes e fruta em vez de fritos e doces sempre foi muito difícil de estimular com mensagens e argumentos. Mas basta alterar a disposição da própria cantina, pondo os alimentos saudáveis antes dos outros, para os resultados serem muito melhores. O mesmo tipo de raciocínio pode ser – e tem sido – aplicado em muitos outros contextos. Muitas das boas práticas do e-commerce, por exemplo, derivam daí.
Tirar partido dos mecanismos inconscientes do nosso cérebro para influenciar comportamentos é uma proposta que obviamente levanta objeções. A principal é uma acusação feita ao marketing desde os tempos do The Hidden Persuader: seria uma descarada manipulação, atentatória à liberdade de consumidores e cidadãos.
Os autores de Nudge respondem com a segunda ideia-chave do livro: a do “paternalismo libertário”. Não negam que definir arquiteturas de escolha tem algo de paternalista, já que induz a deteminados comportamentos. Mas contrargumentam, por um lado, que qualquer contexto em que a escolha se faça tem o mesmo efeito. Se, na cantina escolar, os alimentos menos saudáveis aparecem à frente, o seu consumo é favorecido – mesmo que isto resulte apenas do acaso, de uma arrumação não pensada, e não de um plano maquiavélico da Matutano.
Por outro lado, esse paternalismo tem de ser libertário. Nenhuma escolha é imposta (não há multas para quem preferir o Bollycao). Cria-se apenas um contexto que torna mais provável a escolha que preferimos.
Qualquer que seja a sua opinião sobre a ética das ferramentas propostas no livro, o facto é que Nudge é incontornável. Ao mesmo tempo que mostra as limitações do que um profissional como eu faz no dia-a-dia – tentar influenciar com argumentos – amplia muito a área de intervenção do marketing. Tornando-o muito mais eficaz e poderoso.