Um livro para ler depressa. Mas devagar.
Não é um livro sobre marketing. Mas, se o marketing é a sua praia e ainda não o leu, o melhor é fazê-lo depressa. E com tempo: vai ter muito a descobrir sobre a maneira, às vezes nada racional, como o nosso cérebro decide. São automatismos tão fortes que é quase impossível contrariá-los. Mas pode aprender a usá-los a seu favor – inclusive no seu marketing.
Todo profissional de marketing conhece situações em que o cliente ou consumidor não é nada racional. Provavelmente você lida com esta irracionalidade todos os dias, e até a usa a seu favor. Mas será que sabe explicá-la?
Por exemplo: porque é que só no último dia de uma promoção de um mês os seus clientes aderem em massa? Racionalmente não sabiam que a promoção era vantajosa? O que os impediu de agir antes, com calma, e os empurrou para comprar impulsivamente no fim?
Porque é que dois headlines a dizerem exatamente o mesmo, mas com ligeiríssimas diferenças na escolha das palavras, podem gerar resultados tão diferentes – consistentemente diferentes – em split tests no Google Adwords?
Porque é que um anúncio leva à indiferença, enquanto outro, a prometer a mesma vantagem mas com uma outra foto, que até nem tem nada a ver com a promessa, leva à ação? O consumidor não sabe ler? A sua mente racional não percebe que a promessa é a mesma?
Poderia dar muitos outros exemplos, ainda menos explicáveis, mas já entendeu o meu ponto. O marketing pressupõe sempre um destinatário não muito lógico. Só que é uma falta de lógica não totalmente imprevisível: a nossa loucura tem um método. Quanto melhor o entendermos, mais a comunicação vai gerar a resposta que queremos.
Daí que todo profissional de marketing tenha de ser um pouco psicólogo: passamos a vida a antecipar como os outros vão reagir à comunicação que lhes propomos.
A questão é que ser “um pouco” psicólogo não nos leva muito longe.
O anúncio está na rua. Será que vai funcionar?
Drayton Bird, lendário mestre do marketing direto, faz muitas vezes um exercício com plateias de publicitários e diretores de marketing. Propõe-lhes pares de anúncios que foram testados um contra o outro, para que façam as suas apostas: qual deles terá produzido os melhores resultados?
O desempenho da plateia costuma ser desastroso. Apesar de ser gente habituada, em teoria, a prever o que vai ou não funcionar na comunicação de marketing, acertam menos do que se fizessem cara ou coroa. O próprio Drayton confessa que a sua performance não é muito melhor.
É um exercício de humildade. Mostra que, mesmo enquanto profissionais, a nossa capacidade de prever as preferências do público é fraquinha. O famoso “feeling” de marqueteiros e publicitários não é grande espingarda.
Os melhores profissionais de marketing sempre tiveram essa humildade. E, para não torrarem dinheiro dos anunciantes em palpites tão falíveis, foram à procura de complementos mais sólidos para o achómetro.
Um destes complementos é o longo histórico de observações e testes iniciados no começo do século 20, com o genial Claude Hopkins. Os métodos de teste da sua “publicidade científica”, incorporados pelo marketing de resposta direta e, bem mais tarde, pelo digital, deram origem a fórmulas e “truques” largamente usados pela publicidade quando tem de fazer agir.
Por exemplo: se quer adesões à sua promoção, ponha o relógio em countdown no seu banner ou landing page. Ou crie escassez: deixe claro que o avião só tem mais 4 lugares disponíveis. O seu cliente, que estava em dúvida se queria ou não fazer a viagem, agora já nem pensa nisso: a sua única preocupação é agarrar uma oportunidade que pode voar.
Em vez de perguntar se a cliente quer ou não a blusa, pergunte-lhe se prefere a vermelha ou a amarela. A probabilidade de ela esquecer a primeira pergunta e passar, como você deseja, diretamente à que leva à compra, é surpreendentemente alta.
Para quem usa truques destes todos os dias (e, se está no marketing, aposto que os usa) é bom saber que algumas destas regras empíricas são mais do que isso. São automatismos profundamente ancorados na forma de funcionar do cérebro humano.
Finalmente, entender a razão da nossa falta de razão
Para entender como esses automatismos funcionam, pare tudo e vá ler o livro Thinking, Fast and Slow, de Daniel Kahneman – em português Pensar, Depressa e Devagar. Já escrevi de passagem sobre ele aqui no blog, e até já o recomendei neste vídeo.
Mas volto à carga porque acho que é daqueles que você tem mesmo de ler. Recomendo que reserve algum tempo para a leitura, e tome notas. O livro destila décadas de investigação sobre a forma como nós, humanos, pensamos, avaliamos e decidimos, que valeram ao autor (que é psicólogo) o Nobel de Economia.
Não é um livro especificamente voltado para o marketing, embora vá buscar vários exemplos a contextos de consumo. Mas as implicações para o marketing e a comunicação são enormes.
O ponto de partida do autor é que, ao contrário do pressuposto clássico da economia, as decisões dos “agentes económicos” não são nada racionais. Dito assim, parece algo do senso comum: se fôssemos racionais não guerreávamos, não elegíamos Trumps e assemelhados, não nos sobreendividávamos, não parávamos o mundo, de 4 em 4 anos, para ver uns sujeitos a correr atrás de uma bola. Também não pagávamos várias vezes mais caro por um pedaço de pano só porque tem uma etiqueta a dizer PRADA em vez de ZARA.
Mas o livro não se contenta em confirmar que somos irracionais: detalha como e porquê esta irracionalidade se reflete nas nossas decisões. Em que situações. E em virtude de que mecanismos da nossa mente, que o autor mostra ter uma espécie de dupla personalidade: uma que pensa depressa, outra que pensa devagar. Muito propensas, uma e outra, a cometerem sempre os mesmos erros (“vieses”, como lhes chama Kahneman) de avaliação e raciocínio.
Se está no marketing, este é o livro que tem mesmo que ler
Para o marketing, que existe para influenciar decisões, perceber como decidimos é crítico. E, para a comunicação, não tem preço constatar até que ponto as nossas decisões são influenciadas menos pelo conteúdo das mensagens (o que seria racional) do que pela sua forma, apresentação, ou por detalhes de contexto aparentemente sem qualquer relevância.
Conhecer estas inclinações da nossa natureza permite não só entender os tais truques que os marketeers desde sempre usaram, mas ir além deles. Percebendo os automatismos que nos governam, podemos ser melhores a prever como o consumidor reagirá a cada estímulo que lhe dermos. E, assim, dar-lhe os estímulos certos, formulados da maneira certa, para que aja como queremos.
Este conhecimento pode ser usado, naturalmente, para vender produtos e serviços. Mas também ajuda a resolver problemas antigos para os quais, apesar de muitas tentativas, o marketing até hoje não tinha uma resposta que funcionasse.
Por exemplo, como ter mais cidadãos a usar os transportes públicos. Adolescentes a comer mais fruta do que fritos e bolachas. Ou mais doadores de sangue. A aplicação a estes problemas das ideias de Kahneman, e de outros autores da chamada Economia Comportamental, já tem gerado resultados concretos. Até levou à criação de departamentos governamentais, na Inglaterra e nos Estados Unidos, dedicados a tirar partido destas ideias na formulação de políticas públicas.
Pensar, Depressa e Devagar tem implicações bem para além do marketing e da comunicação: explica a forma como decidimos, seja ao investir, ao votar, ao negociar, ao fazer previsões e prognósticos. E como fazemos tudo isso frequentemente mal, mesmo enquanto profissionais e “especialistas”.
É um livro útil para toda a gente, porque ensina a estar atento aos tais automatismos que levam a errar, e a desenvolver hábitos mentais que reduzam esses erros.
Se está no marketing, no entanto, esta é daquelas leituras que têm de estar na sua lista. A influência que quiser ter sobre o seu público-alvo será determinada, para o bem ou para o mal, pelos automatismos mentais do seu público. O melhor, então, é não só conhecê-los, mas torná-los aliados da sua comunicação. Se não pode vencê-los, junte-se a eles.