Festival de equívocos
Os prémios de publicidade não são consensuais. Há quem considere (mais entre anunciantes do que entre agências, o que até se percebe) que nada mais fazem do que alimentar a vaidade dos publicitários, desviando-os do que deveria ser a sua única tarefa: criar comunicação que resulta. Ou, como dizia não me lembro quem, comunicação que faz tilintar a caixa registadora.
Eu não concordo com esta posição mas entendo-a perfeitamente. E mais a entendo quando vejo um festival como o do Clube de Criativos de Portugal promovido como no anúncio ao lado, que digitalizei do Público.
O facto de o ter tirado do Público é importante. O que levará os autores do anúncio a pensar que o leitor de um jornal generalista sabe o que é “a Archive de 94”? Ou “uma Shots dos anos 90”? Ou “os Cresta de 1995”?
E, na remota hipótese de o leitor não publicitário saber o que são estas coisas, será que a magna questão do déjà vu, da originalidade, certamente importante para os júris e a bancada dos festivais, tem o mesmo interesse para esse leitor profano a quem o anúncio supostamente se dirige?
Ao escolher a questão interna da originalidade como tema central, ou mesmo único, da sua argumentação, o anúncio apenas reforça o estereótipo do criativo publicitário como um “artista” auto-centrado, consumido por dilemas cuja importância o público externo não percebe. E que até era útil que percebesse.
A originalidade – como a própria criatividade – são importantes para a eficácia publicitária como ferramentas, não como um fim em si mesmo. Por que razão são importantes era o ponto a explicar – a menos que a comunicação esteja de facto dirigida apenas à meia dúzia de criativos das agências concorrentes, e tenha sido publicada no Público por engano.
Para contraste: leio que o grupo brasileiro ABC, de Nizan Guanaes, leva este ano a Cannes ninguém menos que Bill Clinton, para falar de como a publicidade pode ajudar a construir um mundo melhor. Sei que Cannes é Cannes, que o grupo ABC com as suas 14 agências é um portento e que Nizan Guanaes só faz as coisas em grande; mas não é esse o ponto. O ponto é a mensagem.
Se o objectivo é falar para fora, não para o pequeno mundo da publicidade e o seu grande umbigo mas para o mundo mesmo, então é preciso escolher um ângulo, um argumento, que seja relevante para essa audiência maior. “O meu anúncio é mais original que o seu” não é certamente esse ângulo – o mundo lá fora não está nem aí para isso.
Como a publicidade pode melhorar o mundo, com ou sem Bill Clinton, talvez tenha um apelo um bocadinho maior.