Devia ter 12 ou 13 anos, gostava de livros e tinha uma ilusão: a de que um dia, com o tempo, chegaria a ler tudo o que havia para ler. Até que um dia entrei numa livraria, olhei para as estantes e a ilusão desmoronou.
Ainda que passasse todos os meus dias a ler, e mesmo que escolhesse só os livros muito, muito bons, esse dia em que a minha cultura livresca estaria finalmente completa não chegaria nunca.
Isto foi num tempo em que a internet não existia. E em que boa parte dos gurus, thought leaders ou como quer que esteja na moda chamá-los, que hoje povoam as nossas inboxes e redes sociais, talvez ainda nem tivessem nascido. No entanto, mesmo naquela época remota, a informação disponível já ultrapassava, de longe, a capacidade de qualquer ser humano para a absorver.
Como costuma acontecer com as ilusões, livrar-me desta doeu um pouco. A seguir, porém, o sentimento foi de libertação.
Não vou conseguir ler todos os livros do mundo? Perfeito: assim já não tenho de tentar. Em vez de quantidade (com perdão do cliché), posso ficar só com a qualidade. Mais do que ler muito, gostar de cada linha. Aprender. Tirar proveito do que aprendi.
Na nossa era de abundância, que é como quem diz, de ruído, manter este foco é ainda mais importante para conservar a sanidade. Não é fácil: a ansiedade de não dar conta de tudo o que há é tão endémica que até ganhou nome: FOMO, o famoso Fear Of Missing Out.
Para quem, além de consumir, ainda contribui para esse dilúvio informativo – o que é o meu caso, talvez o seu, e o de quem quer que tenha uma marca para gerir – há ainda uma ansiedade simétrica, tão irracional quanto a primeira.
Enquanto indivíduos ou enquanto marcas, gostaríamos que a informação que produzimos – o artigo, o post, a campanha, o podcast – fosse vista por toda a gente. Quem não quer fazer de cada “conteúdo” um hit, ter legiões de seguidores, fazer da sua marca a Kim Kardashian das marcas?
O problema é que, como eu e você, os outros também estão à rasca para dar conta de toda a informação que lhes cai em cima. Também têm de escolher. Logo, por mais brilhante que seja o que você tem a dizer, e por muito que consiga alguns ouvintes, serão sempre bem poucos em comparação com os potenciais interessados.
Assim como nunca lerei todos os livros que importam, também nunca vou chegar a todas as pessoas para quem a minha mensagem poderia ser relevante. Algumas até passarão os olhos pelo que escrevo, mas não lhes apetecerá ler. Algumas até assinarão o meu podcast, apenas para o ignorar logo no segundo episódio.
Que desilusão. E que alívio. Não posso atrair toda a gente? Significa que já não tenho de tentar.
“Missing out” – a impossibilidade de chegar a todas as mensagens, ou a toda a gente com a sua mensagem, é certamente uma limitação, mas pode ser também o solo sobre o qual se constrói a sua marca. Para as pessoas como para as empresas, determinar a própria identidade passa também por definir para quem você existe. Se a sua mensagem é para toda a gente – que é como quem diz, para ninguém em particular – quem é você, afinal?
Mais do que encantar todas as audiências, conquistar todo o mercado, vender a todos os clientes, mais vale ambicionar apenas os que batem certo consigo. Aqueles – mesmo que sejam poucos – para quem a sua mensagem, o seu produto, a sua marca, significam muito.
No seu caso, já parou para pensar quem são?
Jayme Kopke
Diretor-Geral e Criativo da Hamlet
Fonte: Dinheiro Vivo