A praga das Teorias da Conspiração tem assolado o mundo e causado danos. Indivíduos com imaginação fértil dedicam-se a descobrir, por trás de tudo o que fazem ou dizem as pessoas de que não gostam, motivações e preferências ocultas.
É um talento que poderia ser empregado, com mais proveito para o mundo, pelos profissionais de marketing.
Ser capaz de desvendar as motivações alheias é a competência mais fundamental de quem faz o que quer que seja relacionado com vendas, com persuasão, com influenciar pessoas. Por que é que o António ainda não se decidiu a automatizar aquele processo da sua empresa? O que o motivaria a dar esse passo? O que motiva a Carla a preferir os serviços do meu concorrente? Que estímulo, que mensagem, que pequena mudança no meu site ou na minha oferta a motivaria a preferir os meus?
Se não tiver pelo menos uma pista quanto a estas respostas, não saberei o que propor ou comunicar. Não terei nenhum chão onde ancorar o meu marketing ou as minhas vendas.
Em muitos casos, desvendar estas motivações é simples – mas não em todos. Isto porque, em boa parte dos comportamentos humanos, as nossas verdadeiras motivações não são as que declaramos.
Significa que os humanos são seres dissimulados, que têm um crónico problema com a verdade? Em boa medida, sim – mas não é por maldade ou perfídia: está na nossa biologia. Quando convidamos alguém em quem temos um interesse, digamos, romântico, a jantar, a verdadeira intenção raramente é declarada à partida – mesmo quando é óbvio para os envolvidos que o “jantar” é uma espécie de linguagem cifrada. Manter o gato escondido, mesmo com a cauda bem à mostra, permite que as coisas se passem num ritmo prudente, que ambos possam testar as águas e tenham uma saída fácil caso a química não se revele promissora.
Quando nos elogiam, fingimos modéstia porque o verdadeiro sentimento – vaidade, autossatisfação – pode soar arrogante ou agressivo. Estas pequenas dissimulações – mentiras, se quisermos – são uma parte tão corriqueira da vida que ninguém as leva a mal. Pelo contrário: levaríamos a mal se faltassem.
Aliás, as nossas verdadeiras motivações podem tão secretas que às vezes nem a nós próprios as confessamos. Por exemplo: se alguém perguntar a um consumidor de vinhos como faz as suas escolhas, dirá que é pela qualidade: pelo sabor e aroma, pela região, pela casta, pelo ano.
Acontece que qualidade, sabor e aroma são critérios fugidios, e os sentidos enganam tanto. Por isso – como sabem os produtores de vinhos – o consumidor usa um discriminador muito mais seguro: o preço. Mais seguro, principalmente, quando a motivação do consumo não é só a declarada – apreciar um excelente vinho – mas inclui também uma encoberta: impressionar os convivas com a minha sapiência vinícola e com a minha generosa carteira. Se é mais caro – “reassuringly expensive”, como no genial slogan da Stella Artois – só pode ser melhor.
Mas este é daqueles casos em que, embora não confessemos os nossos motivos, pelo menos ainda podem ser conscientes. Noutras situações nem isso acontece. A psicologia está cheia de estudos que mostram como as escolhas humanas são condicionadas por circunstâncias de que não temos consciência: influências do contexto físico, social, até da hora do dia. O juiz que decide com fome tende a ser mais severo nas suas sentenças. Dependendo das notícias, boas ou más, que por acaso leu no jornal da manhã, o professor dará melhores ou piores notas nos testes. Nas grandes cidades do Ocidente todos andamos mais depressa. Porque temos todos um compromisso urgente? Não: apenas porque, em volta, os outros fazem o mesmo.
Tudo somado, convenções e estratégias sociais, a influência do contexto, os vieses e inclinações do nosso cérebro, tudo conspira para esconder as nossas verdadeiras motivações – assim como as dos consumidores ou clientes que queremos influenciar. O que complica – mas pode tornar muito mais divertida – a tarefa de um profissional de marketing.
Por isso, para quem anda nesta vida, procurar os motores reais das escolhas humanas, para lá do que é declarado, do que é “lógico” ou “racional”, tem de se tornar quase um vício. Vício que, felizmente, pode ser satisfeito a qualquer instante, começando pela observação do nosso próprio comportamento.
No supermercado, se for 100% honesto, o que fez realmente com que eu escolhesse a marca A em vez da B? E, depois de escolher, que história contei a mim mesmo para tornar essa escolha aceitável? Num contexto B2B, idem aspas: o que me fez de facto preferir o fornecedor X ao Y? E será que a forma como justifiquei a escolha, naquele belo power point que apresentei à administração, corresponde à razão real?
Nesse trabalho de observação, dados e estudos de mercado ajudam, se forem lidos com inteligência. Um erro a evitar é ficarmo-nos pelas intenções declaradas, ignorando as inconfessadas ou inconscientes. Por outro lado, as racionalizações são importantes. Um cliente pode escolher o meu software “só” porque adora a minha marca – mas ficará difícil aprovar a compra com o diretor financeiro se não a puder justificar com argumentos mais “racionais”.
A seguir a observar, e porque os dados nunca dizem tudo, o exercício passa a ser de imaginação: entrar na cabeça e no coração de outros humanos para adivinhar o que, lá no fundo, os move. Imaginação que também se treina. Boa literatura, bons filmes e séries, por exemplo, podem valer mais para a sua imaginação de marketing do que um doutorado em psicologia comportamental.
Por isso, já sabe: da próxima vez que tiver urgência de fazer uma pausa, durante o expediente, para espreitar um episódio de The Good Place, não precisa de declarar ao seu chefe – ou a si próprio – as suas verdadeiras motivações. Diga-lhe que está a estudar para o vosso próximo lançamento. Talvez não seja exatamente verdade. Mas andará lá perto.
Fonte: Dinheiro Vivo