Ainda sobre o João Pinto e Castro
A mente humana tem destas coisas. Somos tão rápidos a crer nas verdades mais incertas – divindades, previsões de ministros, a bondade humana – enquanto noutras, de uma evidência esmagadora, resistimos a acreditar.
Eu, por exemplo, ainda não me convenci de que o João Pinto e Castro morreu.
“O João é que ia gostar de ver isto”. “Um dia destes almoço com o João para ver o que ele acha”. Quando dou por ela, a minha cabeça distraída lá resvalou de novo para aí. Depois, lembro-me: o João já não está. Mas como é possível o João não estar?
Conheci o João Pinto e Castro era ele, creio eu, Diretor de Serviço a Clientes da Ogilvy Direct, e eu redator freelancer. Trabalhamos numa campanha para o BCP que acabou por não sair. Lembro-me de comentar então com toda a gente que acabara de conhecer um account como nenhum outro em Portugal.
A publicidade nacional era fraquinha, nessa altura. As coisas faziam-se sem muito pensamento, porque o cliente pedira assim e não porque se justificasse por isto ou aquilo. O João Pinto e Castro era bem diferente.
Depois passámos vários anos sem nos encontrar, mas a afinidade profissional fora tão óbvia que era mais ou menos inevitável que voltássemos a trabalhar juntos. O João sondou-me quando estava à frente da Interact (eu na FCB), mas não aconteceu. Acabou por acontecer quando pela sua mão fui dirigir o departamento criativo da Wunderman, onde ele era director geral.
Já fora da Wunderman continuou a honrar-me com muitos outros convites. Chamou-me a partilhar o blog Sangue, Suor e Ideias. Deu-me a rever e criticar os manuscritos de A Comunicação de Marketing e Marketing Ombro a Ombro. Pôs-me a dar aulas no mestrado executivo de marketing digital do ISLA e na Academia APAN, ambos sob a sua coordenação. Apoiou os primeiros passos da Hamlet: apresentou-nos clientes, partilhou projetos. Alguns vingaram, outros não. Mas todos valeram pelo privilégio de trabalhar com o João.
Almoçávamos com frequência, conversávamos muito, sobre publicidade e sobre as muitas outras coisas interessantes que se podia aprender com o João, e eu nunca perdia a oportunidade de o consultar.
Mas a amizade tem muitos formatos, e a nossa, dois sujeitos cerebrais e não propriamente expansivos, nunca foi de gargalhadas nem de grandes abraços. Por isso, quando o João, de repente, morreu, fiquei sem saber muito bem o que acabaria por sentir.
Agora já sei. Faz muita falta, o João Pinto e Castro.
Jayme Kopke
da Hamlet