Não sei se é por sentir falta deles, em tempos de pandemia, mas nos últimos dias dei por mim a pensar em abraços.
E nem sequer é nos abraços de carne e osso, dos que nos aqueciam a vida pré-2020. Os que me têm ocupado são os virtuais: aqueles com que terminamos telefonemas, emails e mensagens – inclusive em contexto profissional. O que me fez pensar neles? É que, mesmo antes do vÃrus, percebi – terei sido só eu? – que algo estava a mudar no reino dos abraços.
Nos dois paÃses que conheço bem, Portugal e Brasil, ambos propensos à informalidade e a misturar o mundo “da rua” (o dos negócios e das relações de trabalho) com o “da casa” (o das ligações pessoais), desde que me entendo mandar “um abraço” sempre foi uma maneira muito corrente de concluir as conversas.
Mas – e aà está o ponto – isto só valia para os homens.
Entre amigos, mas também colegas ou parceiros de negócio, desde que do sexo masculino, mesmo quando nunca se tinham visto mais gordos, nunca foi estranho encerrar um contacto dessa forma. Os mais calorosos podiam ir ao “grande” ou ao “forte” abraço. No Brasil, onde o calor é intenso, não choca nada um “abração”.
Mas confesso que para mim foi um pequeno choque quando, há coisa de dois anos, comecei a ver cada vez mais mulheres a adotarem o hábito. Vinha o email de uma cliente, com quem não tinha ainda qualquer familiaridade, e no final aquela despedida: “um abraço”.
A minha reação inicial foi não saber como retribuir. Aos meus interlocutores masculinos nunca me custou abraçar por escrito: era uma forma de expressar cordialidade e quebrar o gelo q.b. Não significava em absoluto que, se os encontrasse fisicamente, terminássemos a reunião nos braços uns dos outros: mais facilmente continuarÃamos a mandar abraços verbais, mesmo estando frente à frente (o que, agora que penso nisto, é um bocado ridÃculo).
Só que, vindos das mulheres, os tais abraços, antes tão inócuos, já não eram os mesmos. Como lhes responder? Mandar de volta “um abraço” soava-me estranho: a velha linguagem da camaradagem masculina, de brutos tapas nas costas, não combinava com as minhas interlocutoras. Mas retribuir com “um beijinho” deixava de ser possÃvel: era passar a linha. Uns meros “cumprimentos”, por outro lado, seriam como pagar a cordialidade com secura
Fonte: Dinheiro Vivo
Esse foi o meu embaraço inicial. À medida que outras mulheres com quem lido profissionalmente foram adotando a nova fórmula, lá tive que me habituar. Que é o que sempre nos acontece, aos homens, cada vez que as mulheres ocupam, sem pedir licença, um espaço que até então não se permitiam.
Neste caso concreto, é um espaço pequeno mais importante: o direito, nas comunicações profissionais, à tal familiaridade q.b. que, em Portugal e no Brasil, era privilégio dos homens. Entre o “beijinho” com que muitas, muitas vezes, não se terão sentido confortáveis, e a frieza dos “melhores cumprimentos”, as nossas colegas dispõem agora, como nós, do abraço. Do qual, exatamente como para os homens, não se espera que venha a ser fÃsico nem excessivamente pessoal. Tanto aproxima como delimita. É mais um passo dado para uma mulher se sentir em casa, finalmente, no ambiente de trabalho.
Negócios são feitos entre pessoas, com toda a complexidade que as pessoas têm. Comunicar bem, nos negócios, implicar entender – e abraçar – esta complexidade.