Como Provocar um Suicídio Coletivo. Ou, Se Preferir, Aumentar as suas Vendas.
Há um livro sobre a psicologia humana que nenhum profissional de marketing pode desconhecer. É o clássico “Influence”, de Robert Cialdini. As suas 6 “armas de influência” – ou “gatilhos mentais” como depois ficaram conhecidas – são mecanismos poderosos, capazes até de levar uma comunidade a beber veneno. Mas que também podem ajudar nas suas vendas. Leia e aplique no seu marketing – com moderação.
Mais ainda do que o “Thinking, Fast and Slow”, de Daniel Kahneman, “Influence” é leitura indispensável para quem anda nas vendas, no marketing ou na publicidade.
Como Kahneman, Cialdini descreve mecanismos mentais que nos fazem reagir de forma semiautomática em determinadas situações. Só que, enquanto o livro de Kahneman estuda os seus “vieses cognitivos” no contexto mais amplo da tomada de decisão, Cialdini procurou entender os automatismos que agem especificamente quando alguém nos persuade a fazer algo.
O seu objeto de estudo foram os influenciadores profissionais: políticos, líderes religiosos, advogados, mas principalmente vendedores, publicitários, marqueteiros. Ou seja: você e eu. O que dá às suas descobertas uma aplicação direta naquilo que fazemos.
As arrasadoras “armas de influência”
O livro identifica 6 dos tais mecanismos: Reciprocidade, Compromisso ou Consistência, Evidência Social, Gostar, Autoridade e Escassez. Para cada um deles, vai mostrando como são usados no marketing e nas vendas, às vezes de forma instintiva, outras de modo muito intencional.
Estas “armas de influência”, como Cialdini as chama, são as mesmas que alguns praticantes do marketing digital depois popularizaram com o nome de “gatilhos mentais”. São respostas a estímulos externos tão automáticas como a do cão de Pavlov, que, mal ouvia a campainha, começava a salivar.
Assim como os “vieses cognitivos” de Kahneman, os gatilhos de Cialdini existem porque fazem falta aos seres humanos. São atalhos sem os quais o nosso cérebro não conseguiria lidar com a complexidade do mundo. Permitem-nos tomar decisões em situações que, se tivessem de ser exaustivamente analisadas, consumiriam todo o nosso tempo e energia mental.
Um exemplo: o poder da Reciprocidade
A Reciprocidade, por exemplo, é um princípio de conduta tão crítico para a vida em sociedade que já vem programado no nosso cérebro. Sempre que reconhecemos que alguém nos fez um favor, sentimo-nos devedores, e procuramos retribuir. É um automatismo – fazemo-lo sem pensar, às vezes até sem consciência – e muito forte: uma vez acionado, é muito difícil resistir-lhe.
Estamos programados assim porque, em boa parte das situações, este é mesmo o comportamento mais adequado. Adotá-lo, mesmo sem grande análise, poupa ao nosso cérebro o esforço de estudar todas as implicações da situação. Simplesmente reconhecemos um padrão – “favor” – e agimos em conformidade.
O problema é quando o tal favor não é favor nenhum, mas acontece com o objetivo muito deliberado de receber algo em troca – eventualmente, algo que, se você pensasse no assunto, não estaria nada disposto a dar.
Exemplo: está a passar por um local público e alguém o detém para lhe oferecer uma flor. Você não quer especialmente a flor, mas aceita. Em seguida, a mesma pessoa lhe pede que compre um calendário para ajudar a sua ONG.
A contragosto, você compra. O impulso de retribuir o “presente”, mesmo indesejado, é mais forte do que a resistência a comprar um objeto de que não precisa, e a ajudar uma causa com que não se identifica.
Outro exemplo: imagine que entra num stand automóvel com os seus filhos e eles são recebidos com balões e gelados. O desejo de retribuir, frequentemente inconsciente, pode muito bem determinar a sua compra de um carro.
Num caso assim, o valor do favor recebido não tem qualquer correspondência com o da retribuição. E, se lhe perguntarem, você garantirá a pés juntos que não foi isso que o fez decidir. Mas esta é a força dos tais “gatilhos mentais”. Como sua função é substituírem a análise racional, é precisamente isto que fazem, mesmo em contextos em que um pouco mais de reflexão não faria mal nenhum.
Do suicídio coletivo à venda
Ao longo do livro, Cialdini dá exemplos impressionantes, retirados de estudos ou de factos reais, que demonstram o poder dos 6 “gatilhos mentais”. Desde o líder religioso que levou toda uma comunidade ao suicídio até à chocante indiferença de dezenas de testemunhas diante de um assassinato em plena luz do dia, muitos comportamentos surpreendentes podem ser explicados por estas “armas de influência”.
Para o profissional de marketing, naturalmente, o interesse não está nestes casos extremos, mas naqueles que ajudam a aumentar o seu próprio poder de persuasão.
Na verdade, ao longo do livro você vai percebendo que já usa, ou já usou alguma vez, várias das tais “armas de influência”. Quando anuncia que uma promoção é “só até sábado”, está a usar a Escassez, que aumenta o desejo por aquilo que vende. Quando diz que o seu produto é “o mais vendido”, ou publica no seu site testemunhos de clientes satisfeitos, está a usar a Evidência Social. E assim por diante.
São, de facto, velhos truques de venda. Mas quando começa a entender os seus fundamentos psicológicos, pode usá-los com mais consciência, e de forma mais eficaz.
Manipulação? Sim, com certeza.
O que levanta um problema: vender assim, tirando partido desta espécie de defeito de fabrico do cérebro humano, não é uma forma de manipulação?
A resposta é: claro que sim. E, se você está no marketing ou nas vendas, convém começar a sentir-se confortável com isto.
Manipularmos os nossos semelhantes para os persuadir a fazer isto ou aquilo faz parte das relações humanas. Crianças pequenas manipulam os pais para conseguirem ir para a cama mais tarde – e vice-versa. O mesmo vale para namoradas e namorados, professores e alunos, subordinados e chefes, enfim: toda a gente.
Seria surpreendente que um traço tão universal da vida em comum faltasse justamente naquelas atividades cuja própria essência é persuadir.
A manipulação só é possível porque apanha uma boleia nos nossos próprios desejos e inclinações. Os “gatilhos” de Robert Cialdini destacam-se apenas por serem inclinações especialmente fortes e automáticas. Mas a verdade é que todos queremos retribuir favores, manter uma conduta coerente, seguir o grupo, possuir um objeto raro. O persuasor apenas nos dá a oportunidade de satisfazer esses desejos através da ação a que nos quer levar.
Persuadir é uma arte marcial
Cada capítulo do livro de Cialdini tem uma secção dedicada a instruir o leitor sobre como se defender das tais armas de influência. Como consumidor, mas também como profissional de marketing, acho perfeito: gosto de pensar que a comunicação de marketing não se dirige a vítimas passivas, mas a sujeitos conscientes, capazes de discernir, entre as suas próprias motivações, as que são para seguir ou para contrariar.
Toda persuasão é uma espécie de arte marcial. O propósito é sempre levar o seu interlocutor a pensar, sentir ou fazer alguma coisa que à partida ele não quer fazer, pensar ou sentir. Isto se aplica tanto num tribunal, para convencer o júri, como na sedução amorosa ou no marketing. Convencer, como a própria palavra indica, envolve sempre vencer: vencer uma resistência, uma ideia contrária, uma predisposição ou a simples inércia de quem está do outro lado.
Sabendo, então, que estas armas de influência vão aparecer sempre, e que algum grau de manipulação entre humanos é inevitável, a questão ética passa a ser outra: o propósito da manipulação é legítimo?
Se os pais manipularem os filhos para que comam verdura ou vão para a cama à hora certa, fantástico. Se usarem as mesmas técnicas para que os filhos se sintam diminuídos ou culpados, há um problema. Mas não está na técnica de persuasão usada. Está no propósito.
Como publicitário, os mecanismos psicológicos desvendados por Cialdini dão-me um arsenal fantástico, que vou continuar a usar. Dão-me também a clareza para decidir, com responsabilidade, até onde pode ir a minha astúcia ao persuadir o meu semelhante.
Como consumidor ou cliente, conhecer estes mesmos mecanismos permite-me saber se o caminho por onde me estão a levar me agrada. Até pode ser que agrade. Mas, quanto mais souber sobre as estratégias de quem me quer persuadir, melhor decidirei se quero ou não ser persuadido – seja qual for a técnica usada.