O inferno são os outros?
No segundo post sobre “As ratoeiras da comunicação interna”, a dra. Madalena Lobo explica, do ponto de vista da psicologia, um ingrediente básico da boa comunicação – seja comunicação interna, comunicação de marketing ou qualquer outra: a capacidade de entender e incorporar o ponto de vista do outro. Algo que, como mostra a Madalena Lobo, pode não ser a coisa mais natural do mundo. Mas faz a maior diferença para a nossa capacidade de ser ouvidos e influenciar comportamentos, dentro ou fora das nossas organizações.
Jayme Kopke
da Hamlet
Ratoeiras da Comunicação Interna
Parte 2: Nós e os outros
por Madalena Lobo – Oficina de Psicologia
Atirei com o manto da invisibilidade por cima dos ombros. E depois? Depois deixei-me flutuar pelos corredores, atravessei os open spaces e espreitei para dentro dos gabinetes. Tudo muito invisível, claro. Mas onde? Aí por essas empresas do país, umas grandes, outras pequenas, quem sabe se pela sua também?
E escutei. Curioso: as pessoas do Marketing diziam que os outros, os da Comercial, eram os responsáveis por o produto não vender bem. Os da Comercial diziam que os do Marketing não desenhavam produtos que o mercado considerasse atractivos. Ambos achavam que os da Financeira lhes estragavam o negócio. Os da Financeira desesperavam com o despesismo dos do Marketing.
Os colaboradores sussurravam contra a falta de reconhecimento do seu trabalho e tinham opiniões firmes sobre a forma como a empresa deveria ser gerida para ter sucesso. As chefias amarguravam-se com a resistência e índices de improdutividade dos colaboradores. Todos achavam que se os outros – a concorrência, os mercados, os reguladores, o governo – fizessem bem os seus trabalhos não se abririam buracos financeiros na sua empresa. E todos achavam que existia um “nós” claramente distinto e em oposição a uns “outros”.
Esta colocação de fronteiras socio-psicológicas é universal e terá um valor evolutivo e de sobrevivência da espécie: foram anos de vivência em pequenas tribos ameaçadas constantemente por outras pequenas tribos, pelo que tem de nos estar inscrito nos genes esta tendência crítica para nos considerarmos “os bons” e vermos instintivamente os outros como “os inimigos”.
Naturalmente que a complexidade disto nos atrapalha os tempos modernos, porque pertencemos atualmente a diversas “tribos”: a família, o sector de negócio, a área funcional e as que se definem por diversas características socio-psicológicas – os criativos, os tecnológicos, os modernos, os experientes… Uma infinidade de cruzamentos que simultaneamente nos aproxima daqueles que consideramos os nossos semelhantes e nos afasta, num movimento oposicional de preparação para a luta, de quem consideramos diferente de nós numa valência importante na nossa percepção. E, mais ainda, porque já não se constituem tribos sob ameaça, de invasão ou submissão, ainda que a vida nas organizações, por vezes, possa parecer um terreno fértil de batalhas várias.
Mas porque é que estamos a falar disto num contexto de comunicação interna? Bem, porque tudo o que escrevemos, dizemos, comunicamos, parte de um “eu” e corre riscos elevados de deixar transparecer o “nós” que está por detrás, ainda que subtilmente, acabando por criar resistência nos “eles” que o escutam.
Naquela fase prévia em que começa a estruturar as linhas e abordagem de desenvolvimento do que pretende comunicar é fundamental visualizar claramente a audiência a quem se vai dirigir e aperceber-se de quais são os seus pressupostos de vivência.
Interessar-lhes-á muito pouco o que tenha para dizer se falar a partir da sua própria perspectiva sobre o assunto, porque será sempre encarada como antagonista. Ao comunicar tem, obrigatoriamente, de se encontrar no terreno daqueles a quem se dirige, encontrando as semelhanças, expondo as diferenças e dando soluções criativas para uma mobilização conjunta,… falando com “eles” e não falando de si.
Quais são as preocupações “deles”? As suas expectativas? As suas crenças mais firmes? As suas irritações e dificuldades? Aquilo por que mais anseiam?
E, agora, como é que isso tudo se interliga com o que pretende comunicar? Como é que remove um obstáculo “deles”, como desimpede o caminho para um sonho, também ele, “deles”?
Com isto, não estou a dizer que as suas preocupações, problemas e soluções para objetivos ambicionados não sejam importantes. Naturalmente que são importantes e que é por eles que trabalha! Mas, na hora de comunicar, o “eu” não chega a lado nenhum: corre riscos elevados de má interpretação e distorção e perde qualquer força impulsionadora de motivação. Todos ouvimos – e nos mobilizamos para a ação – apenas com aquilo que nos diz respeitos a “nós”.
Por isso, a minha sugestão é a de que da próxima vez que for falar com alguém – e pouco importa se é apenas uma pessoa ou se está a falar para a multidão – se concentre naquilo que são as representações dessas pessoas e as debata a partir desse ponto.
Boa comunicação!
Madalena Lobo
da Oficina de Psicologia